Se há uma coisa fascinante na história oficial brasileira, essa coisa é a mentira. É impressionante a criatividade dos arquitetos dos factóides que foram repetidos ao longo dos séculos e se consolidaram como verdades absolutas. Esta semana relembramos um desses engodos, o 7 de Setembro.
Quem assistiu ao Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (7) pela TV Brasil, quando foi discutida a construção do 7 de setembro como marco da Independência brasileira, certamente não acredita mais na história que a professorinha contou, ainda a partir do primário (não por culpa dela, afinal, está nos livros oficiais e ela deve seguir a cartilha). O grito do Ipiranga, na prática NUNCA OCORREU.
O jornalista Alberto Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro duas das maiores historiadoras da atualidade, Isabel Lustosa e Lourdes Lyra.
Dines sublinhou que o destaque dado pela imprensa da época à aclamação de D. Pedro como imperador, ocorrida em outubro de 1822, foi um "golpe de marketing" que seria capaz de repercutir internacionalmente
A entrevistada Cecília Helena de Salles, diretora do Museu Paulista da USP, destacou que em meio a uma crise criada pelos descontentes com a relação colônia-reino, príncipe-regente, D. Pedro saiu do Rio de Janeiro, atravessou o Vale do Paraíba, e foi a São Paulo buscar fortalecimento para que voltasse nas condições políticas e militares necessárias para oficializar a separação de Portugal e para efetivamente assumir o governo como monarca.
Em 7 de setembro, a comitiva do príncipe descansa às margens do rio Ipiranga. O padre Belchior, uma das testemunhas daquela tarde, relatou que, ao receber do Rio de Janeiro cartas sobre as novas determinações das Cortes de Lisboa, o príncipe decide pela emancipação. O padre, diz Cecília, escreveu relatos fantasiosos da tal decisão do monarca.
Era um puxa-sacos de marca maior, acima de tudo um mentiroso descompromissado com a veracidade dos fatos (grifo meu).
"A gente tem de imaginar quem é que assistiu a isso. Ora, ninguém assistiu a isso. Isso é uma construção posterior. Há toda uma mística em torno do episódio que não corresponde às fontes porque as fontes indicam que o 7 de setembro naquele momento não foi importante, nem para o próprio D. Pedro. Se pegarmos a carta que ele escreveu em 8 de setembro quando deixou São Paulo, ele diz: ‘Bem, eu estou indo de volta ao Rio de Janeiro, mas por favor continuem lutando, porque a Independência ou Morte é um emblema, nós não conquistamos ainda’", disse Cecília.
Agressiva e panfletária, a imprensa é um dos principais atores no processo de Independência. Produto da recém conquistada liberdade de impressão, assegurada pelas bases da Constituição jurada pelo rei em Portugal, a imprensa livre integra-se ao cotidiano da Corte. É neste contexto de florescimento da imprensa que ocorre a emancipação. Um silêncio total marca a cobertura da imprensa sobre o 7 de setembro. Para conferir maior legitimidade à separação, jornais mobilizam a população para a Aclamação do Imperador. Esta, sim, foi vista como o marco da separação.
Lourdes Lyra, autora de um estudo pioneiro sobre a Independência, sublinhou que é preciso compreender os pressupostos ideológicos dos grupos dominantes que levaram à construção deste marco, e disse que é só a partir de 1825 que ele começa a ser colocado como data relevante para o processo de emancipação.
Cecília Helena também citou a pintura "Independência ou Morte" mais conhecido como " O Grito do Ipiranga" (óleo sobre tela de Pedro Américo - 1888), do acervo do museu do Ipiranga. Essa cena nunca aconteceu é uma construção artística. Sequer o relevo reflete a realidade topográfica do lugar. Os soldados que aparecem na pintura jamais poderiam estar alí, pois eram da guarda apenas do palácio imperial.
O grito do Ipiranga: Pedro Américo esforçou-se para recriar algo que nunca existiu
A única relação simbólica real é o riacho que aparece na imagem. Como o principe-regente está do outro lado do curso dágua, simboliza que está em território paulistano, uma inserção estratégica, pois relacionar a importante decisão tomada sobre o território daquele estado era uma golpeada nas ideias separatistas que sempre foram defendidas por alguns moradores de São Paulo.
Bravo, bravíssimo!!! Ler sobre verdades jamais contidas em livros oficiais dá uma sensação tão boa...
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