No mês de abril passado, eu tirei um período de 30 dias de meias férias na companhia de Andreia Klein. Digo “meias férias” porque, no atual contexto, as pessoas saem de férias e o trabalho vai junto, na forma de um telefone celular ou mesmo de um tablet para resolver demandas de um novo momento do trabalho. Foi dessa forma que tive a experiência de viajar 3.500 quilômetros rodoviários entre o Vale do Aço, Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, o Norte de Minas e o sertão baiano, retornando pelo litoral. Das cavernas do Peruaçu à Chapada Diamantina, até cair no Atlântico, teve de tudo na viagem de quase 30 dias e milhares de quilates, com um valor cultural inestimável.
Eu gostaria, neste texto, sem nenhum pretensiosismo, de repassar a você a experiência que tive e permitir que tome uma decisão, ou não, de no futuro planejar uma viagem para conhecer esses lugares do nosso país, caso ainda não tenha passado por eles. Também abro o espaço para que tirem outras dúvidas que surgirem, de como visitar os lugares sobre os quais eu falo nesse artigo.
Primeira parada
A viagem começou e a primeira parada foi em Diamantina, a cidade histórica no Vale do Jequitinhonha. Três dias foram insuficientes para conhecer tudo o que há naquele lugar: sua gente, sua história. Listamos 10 cachoeiras e conhecemos apenas algumas.
O Centro Histórico é importante, mas é apenas o começo. Um dos destaques de Diamantina é a Vila de Biribiri, localizada dentro do Parque Estadual do Biribiri, administrado pelo Instituto Estadual de Florestas. Às margens de uma estrada de 12 quilômetros do parque, há várias cachoeiras de água pura.
A Vila de Biribiri, um patrimônio histórico de valor incalculável, tem casarões históricos, ruínas de uma antiga fábrica de tecidos e dois restaurantes para atender os visitantes. A comida é um espetáculo à parte.
Segunda parada
A segunda etapa da viagem rodoviária é bastante puxada. É um trajeto que sai de Diamantina, passa por Bocaiúva e Montes Claros em direção a Januária. Aqui eu gostaria de fazer uma pontuação especial. Januária, além de ser uma cidade da cultura do Rio São Francisco, desponta agora no ecoturismo, visitada por pessoas do mundo inteiro devido ao Parque Nacional das Cavernas do Peruaçu. Ficamos de um dia para o outro em Januária, saboreamos a boa gastronomia local, e seguimos depois para a localidade de Fabião, situada à margem do acesso ao parque.
Nessa região, há uma espécie de cordilheira de calcita, que se estende por centenas de quilômetros ao norte. Em uma área que abrange Januária, São João das Missões e Itacarambi, foi criado o Parque Nacional das Cavernas do Peruaçu.Trata-se de uma área de mais de 56 mil hectares, criada para proteger um lugar pré-histórico com mais de 3 milhões de anos. A formação rochosa de calcita abriga centenas de cavernas colossais, das quais 150 estão mapeadas e estudadas por espeleólogos brasileiros e estrangeiros. Apenas uma parte das cavernas está liberada para visitação pública, e foi nesse espaço que fizemos um roteiro dividido em três dias de entrada no parque.
Para visitar o
parque é necessária a contratação de um condutor. As visitas são todas
guiadas; não é possível fazer visita autônoma. Na página do ICMBio, que administra o parque, é possível
encontrar uma lista de condutores credenciados. A atividade turística abriu um
leque de oportunidades de trabalho para nativos. Moradores dos municípios
abrangidos pelo parque são cadastrados, passam por treinamento especializado e
tornam-se condutores de turistas.
A entrada em alguns lugares com cavernas é planejada. Primeiro, há limitação do número de pessoas porque o local possui fragilidades ambientais; depois, há riscos à segurança pessoal. As caminhadas são feitas em trilhas construídas em meio a rochas. As cavernas colossais ficam em locais que exigem até três horas de caminhada e, em caso de acidente, o resgate seria de grande complexidade. Por essas razões, o controle de acesso é extremamente rigoroso.
Quem quiser conhecer o Parque do Peruaçu e não dispõe de três dias para estadia no local pode optar por visitar apenas um ou dois atrativos, em um único dia.
A hospedagem pode ser feita em Januária (50 km de distância), Itacarambi (19 km) ou ainda na comunidade rural de Fabião, que fica no caminho de acesso ao parque.
É importante destacar que a maior parte dessa viagem de mais de 3.500 km foi feita com hospedagens em áreas de acampamento - boas, seguras, limpas e que cumprem bem o seu papel de serem uma forma racional de hospedagem em viagens de longo percurso. A Pousada e Camping Recanto das Pedras, localizada a 2km da portaria do parque foi nossa base no Peruaçu, por quatro dias.
Terceira parada - Rumo à Chapada Diamantina
A terceira etapa da viagem é em direção à Chapada Diamantina. Saindo de Itacarambi, a viagem toma o rumo do sertão da Bahia e passa ainda por MG, por Manga e Montalvânia, cidade fundada pelo lendário Antônio Lopo Montalvão, até chegar a Lençóis, pelo norte.
O caminho é marcado por estradas retas, tão longas que geram miragens. Uma delas mede uma reta de 35 quilômetros. Cansa, é perigoso, e é preciso manter um olho na rodovia e outro no velocímetro para não exagerar.
Demora uma pá de tempo, mas chega-se ao destino. Não sem antes enfrentar horas de fila na movimentada BR-242, rodovia que liga Goiás e Tocantins a Aracaju e Salvador.
A Chapada
Diamantina se estende por uma vasta região no coração do sertão baiano e tem
vários acessos. O principal deles, para muitos viajantes o mais estruturado
para receber turistas, é a cidade de Lençóis. O acesso pelo norte é feito via
BR-242, por Seabra, uma cidade polo do sertão baiano.
Além de Lençóis, há outras cidades muito interessantes no entorno da Chapada Diamantina. O viajante pode optar por sair, por exemplo, de Seabra, ir para Palmeiras e de lá seguir para o distrito de Caeté-Açu (ou Capão) ou então para o distrito de Guiné.
De ambos os lugares partem trilhas para visitar a chapada. Entretanto, as trilhas são bastante complicadas e não são sinalizadas. Quem não conhece bem a região precisa contratar um guia local. É possível montar passeios de um, dois, três ou quatro dias no Parque Nacional, em meio a paisagens deslumbrantes.
A visita também pode ser feita pela parte sul, pelas cidades de Andaraí, Igatu ou Mucugê, esta última também histórica e nascida do garimpo de diamantes. Há uma boa estrutura de hospedagem no local, com vários passeios, tanto no Parque Nacional quanto nos arredores.
A região tem ruínas históricas, vinícolas, uma produção riquíssima de cafés especiais, de altíssima qualidade e premiados. Para quem gosta da cultura cafeeira, é imperdível a visita a Piatã, considerada a cidade com maior altitude da Bahia e também a que apresenta a menor temperatura no território baiano.
E há outro aspecto também a destacar: as rodovias estaduais e federais na Bahia são muito superiores às rodovias mineiras. Difícil mesmo é entender por que Minas Gerais, a segunda maior economia do Brasil, tem estradas tão precárias. Será por quê? Deixo a resposta com você.
Outro fato importante: quem for viajar por essa região também precisa entender que fazer turismo no Brasil não é barato. É necessário ficar muito atento ao contratar passeios e estudar bem os atrativos que vai visitar. Em Lençóis, roteiros de três dias na chapada tinham preços que variavam de R$ 2 mil a R$ 5 mil o casal, incluindo transporte ida e volta até o começo da trilha, hospedagem na casa de nativos e alimentação.
O que não te
contam é que, para os aventureiros que gostam de uma pegada mais _roots_, é
possível ir de ônibus até o começo das trilhas do Capão e Pati, fazer as
caminhadas e montar barraca nas áreas dos nativos, pagar uma taxa diária de R$
35 e usar banheiro, água e cozinha para preparar as refeições. Há pequenos
mercados onde se compram alimentos, tanto no Capão quanto no Pati.
A título de exemplo, encontramos um famoso atrativo em uma fazenda na Chapada Diamantina que cobrava R$ 110 pela entrada, por pessoa, e para usar tudo no interior da propriedade era necessário pagar à parte. Tirolesa, banho em um poço azul em uma gruta, banho em um rio de água transparente, tirar foto... tudo era pago separadamente. Simplesmente não fomos a esse passeio.
Quarta etapa - Rumo ao litoral
A quarta e última etapa da viagem foi para o litoral, depois de cruzar o sertão baiano e conhecer lugares lendários como Guanambi, tão seco que o mandacaru à margem da estrada estava secando. Já perto do litoral, nos surpreendemos com a cidade de Amargosa—desenvolvida, limpa, industrializada. Paramos em Itacaré para reviver momentos de oito anos atrás, aproveitamos para dois dias na Península de Maraú e as lendárias praias de Taipu de Fora e Taipu de Dentro, com destaque para o distrito de Barra Grande. O lugar é um luxo só. Depois de Itacaré, fomos para Ilhéus, onde ficamos na praia de Olivença, hospedados no Camping do Gnomo. A última parada foi Arraial d’Ajuda.
E aqui vai uma dica ninja para passeios de longa duração: não dá para ficar em hotéis e pousadas o tempo todo, mas há opções confortáveis, seguras e mais econômicas, como aplicativos de hospedagem e áreas de camping. Os preços de hospedagens convencionais podem inviabilizar o seu passeio. Nem sequer os estrangeiros ficam nessas instalações—eles optam por áreas de acampamento e hostels, que oferecem tanto quartos coletivos quanto individuais/casal.
Em Lençóis, por exemplo, há três grandes áreas de camping, com acesso para motorhome. Nossa hospedagem foi no camping Morada Ancestral, bem no Centro Histórico. A área de barracas tem areia e grama e é muito bem sombreada por árvores de cacau. Dispõe de estacionamento, cozinha coletiva e banheiros muito limpos.
A boa notícia é
que a hospedagem alternativa, seja em camping ou casas de nativos, ganhou um
espaço considerável nas regiões turísticas—tanto no Norte de Minas quanto na
Chapada Diamantina e no litoral da Bahia.
Muitas pessoas perguntam sobre conforto e segurança. O camping é um estilo de vida. Quem pratica, ama; quem nunca acampou não gosta nem sequer de escutar a palavra "barraca". Mas isso é assunto para outro texto.
O que posso afirmar, depois de décadas acampando, é que não conheço um caso de violência ou furto nas áreas de camping. A maioria tem banheiros limpos, cozinhas de uso coletivo, e ninguém mexe nas coisas dos outros.
Você pode ficar no seu canto, introspectivo, mergulhado em uma boa leitura enquanto descansa, ou aproveitar para conhecer pessoas, participar de uma roda de histórias, compartilhar um café, uma boa comida, um vinho ou cerveja, uma música no violão, uma “fogueirinha de papel”, ou simplesmente pegar dicas importantes para os melhores passeios do dia seguinte. Quem viaja tem muito a aprender e muito a ensinar. Essa troca é um acordo tácito entre viajantes.
Terra brasileira, prestígio de estrangeiros
Por fim, outro aspecto muito interessante da viagem foi verificar, mais uma vez, que em determinados lugares havia mais turistas estrangeiros do que brasileiros.
Por que tantos turistas de fora estavam no Parque Nacional das Cavernas do Peruaçu e na Chapada Diamantina? Inclusive, as Cavernas do Peruaçu estão preservadas graças ao trabalho de um francês, associado à comunidade local. Não fosse isso, o lugar pré-histórico já estaria devastado pela ação das mineradoras, que chegaram a entrar no local nos anos 1980 e 1990.
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