O homem, o poder e o gnomo

Nos recônditos de seu sono, certa vez, um homem foi visitado por um gnomo. Na verdade sonhou que, ao acordar, havia um gnomo ao pé de sua cama, a olhar para ele.

O gnomo então disse ao homem que se abdicasse de tudo e de todos e corresse em busca do poder, pois ele é saboroso, enriquecedor e lhe permitiria olhar tudo de cima, de uma forma nunca antes experimentada.

O mais curioso, disse o gnomo, é que o poder lhe dá uma armadura invisível. Uma armadura? Isso mesmo, uma vez colocada, ela lhe confere uma imunidade inacreditável, torna-te uma unanimidade.

Mas como? Ora, se alguém lhe atravessar e prejudicar o caminho, a armadura permite lhe passar por cima de qualquer um, sem prejuízo da consciência. Se alguém vier pelas costas ela te protegerá também.

A eh? Sim. E tem mais, ela lhe colocará uma sustentação igualmente invisível sob a mandíbula, de forma a não permitir que não abaixe a cabeça jamais, pois isso faz parte do jogo do poder. Hummmm, eu quero, que quero! Disse de forma sôfrega o homem. E continuou a dormir um sono perturbado.

Quando acordou, de fato, o homem estava convencido que só o poder lhe interessava de agora em diante. Em tudo o que fazia, do café da manhã ao banho antes da hora de dormir, altas madrugadas, só havia um objetivo: o poder.

Porém, no fundo, o homem sabia que talvez houvesse algo mais do que o poder pelo poder. O que será? Perguntava-se desconfiado de que tudo estava fácil demais. Mas rapidamente sua preocupação dava lugar a algo mais forte, insuportável: a ambição.

Como resultado de sua obstinada busca, não precisou muito tempo para que ele alcançasse o almejado poder. Sentia-se confortável com a armadura investido de tanto poder. E mais satisfeito ainda com o suporte que lhe permitia ver tudo do alto, sem baixar a cabeça jamais.

Quando tudo parecia “muito bem, obrigado”. Ou melhor, “muito bem, o resto é que se exploda”, eis que uma manchete de alto de página de jornal trazia uma triste notícia, impressa em fonte vermelha sobre retícula preta: “Homem aparece com a cabeça decepada na porta do palácio imperial”.



O gnomo não havia falado toda a verdade para o homem. Não lhe contara algo que a mula sem cabeça sabia muito bem: o suporte invisível que a armadura do poder dava também escondia uma capacidade fatal. Podia decepar a cabeça do seu usuário caso escorregasse numa simples casca de banana.



Foi o que aconteceu. Um dos “atropelados” que passara a viver somente de bananas, depois de enfrentar o homem no poder, havia jogado uma casca da fruta na calçada do palácio imperial. Lá, ao sair uma das poucas vezes, pela porta da frente, o homem escorregara. No acidente, teve a cabeça decepada pelo suporte invisível. Triste destino.

O gnomo não mentiu para o homem que queria o poder, apenas foi omisso.

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