Zumbis digitais

Dia desses precisei de uma goma de mascar sem açúcar. De menta é a melhor que há. Com as padarias fechadas, entrei numa lan house, um dos poucos estabelecimentos, além dos carrinhos de hambúrguer, que ficam abertos após as 23h.

É que antes de chegar em casa precisava esconder, ou, no mínimo, camuflar o hálito fétido de "manguassa" num fim de noite-fecha-a-semana daquelas. De vez em quando é preciso parar no buteco, o maior centro filosófico do planeta. No boteco tem solução para tudo ou quase tudo. As explicações para o inexplicável fluem com uma naturalidade impressionante.

E não é só aqui não. Os ingleses param nos Pubs, os gringos do norte nos inferninhos Happy Hour ou nos cafés e os alemães nas famosas cervejarias. Lá na época da minha infância, entrentanto, o fino era parar na zona boêmia da cidade após o trabalho. Era o que via os mais velhos fazerem, porque quando comecei a trabalhar a zona tinha acabado. Fiquei literalmente na mão até descobrir que a zona agora estava em qualquer lugar.

Mas a voltar à Lan House à procura do bendito Trident, primeiro levei um susto com o ar condicionado "no talo", como dizem os adolescentes. Frio como um freezer. Depois havia um ar esquisito, um silêncio quebrado pelos "plec, plec, plec, plec" insistente que emergia dos teclados nos biombos. Absortos em seu mundo virtual, nenhum dos adolescentes (eram uns 10 ou 11) levantou a cabeça para ver quem chegava.

Eu que em casa também tenho um adolescente que adora ficar enfurnado no quarto dia e noite na frente de um computador, fiquei absurdado com aquela cena surrealista do ciber-estabelecimento.

Com a cabeça prensada em fones de ouvido pareciam mortos no nosso mundo e vivos num mundo imaginário, entre bits, raios, energia, luz e cores das telas dos computadores. A balconista, também "mergulhada" em uma tela, levantou vagarosamente a cabeça para saber o que eu queria. Notei um claro ar de reprovação no seu rosto jovem, pálido e mal cuidado, certalmente insatisfeita em ter que parar o que fazia para me atender: "O que quer?"

Fonte: UOL Tabloide


Essa, pensei, está no limiar entre o mundo dos zumbis digitais em que seus clientes se encontram e a realidade da minha goma de mascar. Pensei em falar, mas decidi apenas apontar para um lugar onde havia uma caixa de Trident. Logo peguei do bolso da calça R$ 1,50, já trocado, paguei e sai rápido daquele lugar. Não sem antes perceber um jovem esquelético que tombava a cabeça em frente da tela onde tinha, aparentemente, um jogo online.

Comentários

  1. É por isso que muitos de nós, balzaquianos, dão lucro ao mercado ao comprar peças movidas a corda, cadernos do tipo moleskine e guloseimas no formato "feitos pela minha avó"! Um tipo de resistência ao presente frio "no talo", individualista e digital...

    ResponderExcluir

Postar um comentário