"Eu quero ver"

Fotos: Alex Ferreira

Cobria na noite de terça-feira (29) um acidente macabro no contorno rodoviário da BR-381, em Timóteo. O frio da noite era marcado por uma lua quarto minguante que subia lentamente no horizonte e se cofundia com as luzes dos carros que vinham ao longe.

Na pista, uma picape Strada praticamente inteira foi parar debaixo do eixo dianteiro de um caminhão baú, que seguia para Teófilo Otoni. Em princípio o motorista da Strada passou mal ou dormiu ao volante, porque sem frear hora alguma colidiu frontamente com o caminhão. O carro foi arrastado por 60 metros e o motorista esmagado entre as ferragens.
Uma poça de óleo dos motores, misturado com gasolina e sangue completava a cena no asfalto. O cheiro era forte. Se a morte tem cheiro, esse certamente é o cheiro dela. A gente acostuma-se com isso com o passar dos anos e a cobertura dos acidentes  que se repetem, se repetem e repetem. Mas é sempre desagradável.

Como é de praxe nesses casos, dois guinchos são amarrados em cada um dos veículos engavetados e o acionamento hidráulico dos cabos de aço, de quase 1/2 polegada de espessura, retira lentamente um veículo de dentro do outro. É um trabalho milimétrico e os veículos são afastados vagarosamente.

Na medida em que isso ocorre, um barulho estridente sai das ferragens. Vidros quebrados, plástico rígido rasgado e metais retorcidos vão aparecendo e lá, no meio, os restos mortais. Um pé, um joelho, uma perna, sangue. Tudo se mistura.

Marcantes nos bastidores desse cenário sinistro são os curiosos. Eles saem de todos os lados. Chegam a pé, de bicicleta, mulheres carregando crianças, senhoras, jovens e até idosos encurvados pelo tempo aparecem e se aglomeram em torno do acidente. É em meio a essa gente que saem teorias sobre o ocorrido.  Cada um tem uma opinião de especialista.

Uma mulher reclama da mentira dos políticos em relação à duplicação da BR-381. Outro jura que sabe quem é o morto, ainda não identificado entre as ferragens, e um outro grupo quer saber como aconteceu.

O ápice é quando os carros são separados e o perito da Polícia Civil ou os bombeiros enfiam as mãos nos bolsos da vítima para pegar os documentos. Todos se amontoam. Afastados praticamente na base da força por causa dos riscos do rompimento de um cabo de aço na ação dos guinchos, os curiosos avançam nessa hora da identificação. Muitos vão mesmo é para ver os restos mortais.


No acidente de terça-feira houve bate boca, empurra empurra e ameaças entre policiais, bombeiros e o grupo afoito que insistia em avançar sobre os escombros da colisão entre a Strada e o caminhão na BR-381. Consegui ouvir de um deles a seguinte afirmação: "Eu estou aqui desde as 6 horas para ver isso". O acidente tinha ocorrido há mais de duas horas.
 
Mas essa é uma cena triste de um povo que gosta de desgraça. Gosta tanto que coloca no primeiro lugar em leitura qualquer notícia que trate das mazelas humanas e entre elas os acidentes com mortes.

Comentários

  1. "Captei vossa mensagem" e as reflexões que você propõe. Mas vim mesmo elogiar a beleza do seu texto. Achei formidável.
    Marcelo Bolzan

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  2. A desgraça atrai curiosos e refina os textos jornalísticos. Faço minhas as palavras do comentarista acima. Belo texto apesar do horror da cena, prezado. Cheguei a sentir o cheiro da morte e a ouvir o som das ferragens no desengate dos veículos!

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  3. Obrigado, caros Marcelo e Marcele. Grato mesmo.

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