Tragédia anunciada

No fim da manhã de terça-feira (21/09) o morador de João Monlevade Geraldo Bastos ligou a sua D-20 e acelerou fundo pela BR-381 deixando para trás a efervescente Belo Horizonte sentido sua cidade, João Monlevade.

O velho motor 1986 de 128 cv da GM D-20 não dava conta de grandes velocidades. Embora revisado e em dia, não passava muito dos 100 km/h. Nem poderia, pensava Geraldo, afinal, estava na fatídica BR-381. “Melhor demorar um pouco mais e chegar inteiro”, ia matutando consigo mesmo.

Pensava nas contas, na família e desacelerava um pouco, sempre de olho no manômetro, onde a pressão do óleo permitia acompanhar o desempenho do carro.

A viagem ia bem, com o tradicional acelera-para da rodovia saturada pelo tráfego intenso entre o interior e a capital.

Acabara de passar a entrada de Santo Antonio de Roças Novas, quando ao aproximar-se do Km 421 viu que bem perto algo errado acontecia.

Num reflexo pisou no freio e as rodas travaram. Neste mesmo momento uma enorme carreta tombava à sua frente. O ruído era ensurdecedor, uma explosão com rangidos de aço esfregado no asfalto quente. Faíscas saiam de todos os lados, tal como uma peça de aço no esmeril.
Fotos de Maíra Ribeiro - Jornal O Tempo

A carreta iria bater contra a D-20, chegou a pensar. Não havia para onde desviar. Não havia como sair pela lateral, porque lá já estavam outros carros colididos e retorcidos. O branco do tanque de cimento era como um relâmpago que se aproximava rapidamente da cabine da picape, crescendo, crescendo e crescendo. Mais uma explosão e ... uma escuridão. "Estou sonhando? ... Estarei sonhanddd..." Silêncio ...

Silencio total e o corpo de Geraldo fica imóvel entre ferros retorcidos ...

Acabou assim a vida de um homem no começo da tarde de terça-feira. Contam em documentos da Polícia Rodoviária Federal que segundos antes desse relato reconstruído acima, outro homem, o padre Almir Adoniran Duarte, 41 anos, acelerou um VW Gol pelo acostamento, ultrapassou dois veículos, mas perdeu o controle ao voltar para a pista.

Ele invadiu a contramão, bateu de frente com a carreta carregada com cimento. Morreu na hora. A carga tombou sobre um Santana e matou dois ocupantes antes de bater na D-20 de Geraldo.

Dentro do gol encontraram uma garrafa de Kaipiroska (vodka com limão) e no colo do morto outra garrafa de Ice, também vodka com limão. Contam testemunhas oculares da história que Almir tinha sido visto, um tempo antes dessa tragédia, bebendo em um bar. Ele anunciava assim a tragédia que ganharia manchetes dos jornais e da TV nessa terça-feira.


Comentários

  1. Não levando em conta a tragédia. Belo texto camarada.

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  2. Eu conheci este padre quando ele ainda era seminarista ou diácono, na casa dos 20 anos. Era um jovem bonito, aparentemente muito sério e tímido. O visual dele era impecável: roupas bem passadas, calça social com quina. Era um dos poucos religiosos que usava aquela gola rígida por dentro da camisa, branquinha, sabe qual é?
    Passava a impressão de ser culto e inteligente. Editava aquele boletim "O Elo Diocesano" no antigo Page Maker quando muitos só conheciam o Word. A notícia é surpreendente. O texto, excelente!

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