É preciso ir ao cinema para sentir vergonha

Há tempos não via uma sala de cinema tão lotada, quanto na noite de segunda-feira, quando sacudi das costas a tensão da redação e zarpei cedo para assistir o badalado Tropa de Elite 2.

O filme é a pura verossimilhança do cenário atual: O estado corrupto que assume o lugar do crime com um diferencial: está credenciado para isso, seja com cargos públicos nas corporações, seja com a mentira das urnas.

A produção segue uma linha que atinge um ponto nefrálgico da política atual no Brasil: a corrupção no alto escalão. E a explosiva mistura de política partidária com a polícia legitima um antro de safadezas inconfessáveis.

O esperto capitão Nascimento, carrancudo do Tropa 1 aparece vestido de Tenente Coronel em Tropa 2, dez anos mais velho. Ele “cai” numa malfada operação num presídio e acaba emplacado em um cargo burocrata. Lá super equipa a Tropa de Elite (Bope) e neutraliza a eficiência do tráfico nas áreas pobres. Preso no gabinete Nascimento não viu que as milícias comandadas pela banda pobre da polícia assumiram o lugar do crime organizado civil.

Para muitos críticos o diretor de Tropa, José Padilha, não é o tipo de pessoa que simplifica as coisas. Abusa de superprodução cinematográfica com grandes planos. Certamente na TV o filme ficará a desejar. Foi um projeto pensado especialmente para a grande tela do cinema.

Fora questões técnicas, o diretor abusa de história, psicologia e discurso social. Michael Focaut deve ter se revirado todo.

Em Tropa 2, fora a atuação exemplar de Wagner Moura, no papel de Nascimento,é  impossível não se irritar com o apresentador Fortunato, na pele do ator Irandhir Santos (ele lembra o Datena) com o seu sensacionalismo que beneficiava os corruptos. No entanto, no Rio as pessoas têm relacionado o personagem ao Wagner Montes, que apresentava um desses programas vagabundos de fim de tarde e que acabou eleito deputado. Vai saber da realidade!

 André Ramiro interpreta o capitão Mathias, no Bope

É muito claro que o diretor Padilha tratou o assunto sem aquela demagogia segundo a qual tudo na política é bandidagem ou o simplista bordão que culpa o sistema por tudo, mas sua obra aponta para uma monstruosa serpete e diz para o espectador assim: “Esse monstro tem uma cabeça. É possível cortá-la”.

No mérito, o filme pareceu-me uma aula de como é o complicado mundo da corrupção violência, cinismo e conclui que ainda existem pessoas que lutam pelo que julgam certo.

Para muitos, a realidade mostrada no Tropa 2 é um escândalo. São os leitores de coluna social, que vivem num mundinho fashion onde tudo é azul. Ou rosa.

Curioso é que essa discussão toda faz-me lembrar o "Falcão - Meninos do Tráfico", um documentário com participação do músico MV Bill. Foi um escândalo depois que passou na Globo. Até parece que ninguém sabia disso antes de o assunto ir para a TV. MAs foi preciso passar em horário nobre para que a sociedade se escandalizasse. E nada fizesse, acrescento.

O fato é que o brasileiro vota e elege os corruptos sem refletir. Depois reclama na padaria, no rádio, no jornal, na internet... Desde que o veículo não seja parceiro do sistema porque se for, nem espaço para reclamar nesse jogo de cena o eleitor vai encontrar.

Merece um parágrafo o brilho da atriz Tainá Muller, 28 anos. No papel de Clara é uma jornalista que investiga o envolvimento de políticos com grupos de milícia em favelas cariocas. Na história, apanhada pela milícia acabam, ela e o fotógrafo, “assados” no alto do morro como queima de arquivo pela descoberta do material de propaganda política do governador escondido em terreno dos milicianos. Deu vontade de levantar da cadeira quando pediram ao editor para apurar a execução dos dois funcionários. "Você sabe, né, o governo é parceiro do jornal e isso.." É que tem havido parceria demais ultimamente.

É possível sentir vergonha ao fim do filme, por não fazer algo no mesmo sentido de Padilha, capaz de conscientizar sem ter que exagerar.

Comentários

  1. "Meu prezado", como você diz sempre. Vi o filme, concordo com o que escreveu, mas digo-te a minha conclusão. EU NÃO ACREDITO EM MUDANÇAS. Por que? O poder cega os homens. O dinheiro fácil muda conceitos, comportamentos e atitudes. Money é a desgraça do mundo. Poder, política, resume-se naquilo que os corruptos ostentam no filme. Vida boa, farras, cordões de ouro, mulherada, impunidade e digo mais. Quem não quiser viver isso nesse nível baixo que vá para a Suiça. Lá tem esquema mafioso também, mas em alto nível, sem matanças, sangue ou tiroteio nas ruas. Passar bem. Marcelo L.

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  2. AH Marcelo. Obrigado. Mas cuidado com o conformismo. Ele pode ser confundido com omissão e essa mistura interessa aos corruptos.

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  3. O sistema é isso Ou adere a ele ou ele te adere à terra e os herois só existem no cimena

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