Dívida com a natureza

Quando a chuva cai não há diferença para quem está embaixo. Ricos, pobres, remediados ou mendigos. Todos pagam um preço por estar onde não deveria. Na noite de quarta-feira chegava a 270 o número de vítimas da chuva no Sudeste brasileiro (Teresópolis e Petrópolis, no RJ as duas cidades mais atingidas).

Lia entrevista do meteorologista Giovanni Dolif, do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Cptec/Inpe), em que falava sobre a média histórica de chuva na região atingida. Para uma área cuja média histórica é de  250 a 300 milímetros, choveu nos 12 primeiros dias de janeiro, 166mm.

Foto: Bruno Domingos/Reuters



Tudo normal, diz o meteorologista. Não ocorreu nenhum fenômeno anormal do ponto de vista atmosférico para justificar a chuva na região serrana do Rio de Janeiro. “Não é uma particularidade deste ano. Nós vemos chover 166 milímetros em outros pontos do país, mas quando isso acontece no Amazonas, não há problemas. Mas quando acontece em uma área vulnerável, como a região serrana, ela vai causar modificações na natureza e quem morar na área vai sofrer com isso”, disse.

Pouco a comentar sobre a fala do especialista. O homem está onde não deveria estar. Cobrir tragédias provocadas pelas intempéries é uma das piores pautas. O clima deixado pela devastação é indescritível. Angústia, olhar vazio, desesperança e medo se misturam em meio a cenas como a de uma menina que segurava um filhote de gato enquanto a mãe recolhia em uma sacola o leite e as frutas que alimentariam os três filhos, coisa que presencei em uma cheia do rio Piracicaba, em Cachoeira do Vale, Timóteo. Há tempos ele não transborda. O Piracicaba é lento, silencioso, mas quando sobre arrasta tudo pela frente. 

Em Manhuaçu, a zona de baixo meretrício, conhecida como Balaio de Gato ficava também numa área de inundações do rio de mesmo nome da cidade e que significa "Rio Grande" em Tubi. No fim da existência das ruas, ou melhor, guetos de prostituição ficaram para trás as prostitudas mais decaídas. Viviam molambentas, bêbadas pelas ruas à caça dos últimos corajosos, tão bêbados quanto elas para programas sexuais. O convite delas era: "vamo fazê neném?".

Quando em 1989 deu uma tempestade dessas de arrebentar Teresópolis eu dava os primeiros passos no Gazeta do Caparaó e fui lá cobrir. A água já atingia 40 centímetros de altura na rua e subia rápido. Ainda assim uma mulher morena, roupas sujas e, visivelmente sob efeito da cachaça barata que se vendia lá, vira para um homem que passava apressado e faz a pertunta clássica naquele antro: "Vamos fazer nenêm?".

Mas a memória mais recente das tragédias que cobri, há também o desabamento de um barranco que matou o Toninho On The Rocks, no Santa Terezinha, em Coronel Fabriciano, em 2005.  Morreu dormindo e certamente não deve ter nem escutado a "montanha" desabar sobre o quarto em que estava. Pior ainda a avalanche de água, areia, terra, troncos e mato que desceu sobre o acampamento dos sem casa, na invasão do Limoeiro em Timóteo e matou duas crianças. Tragédias. Melhor seria não tê-las.    
Rafael Andrade/Folhapress

Comentários

  1. Balaio de gato? fazer neném? Ondecêtomoudessa?
    Abs. J. Carlos

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