Um conto rodrigueano


Trabalhava sábado de manhã na decupagem de uma entrevista enviada pelo colega do jornal, Wellington Fred, responsável pela editoria de matérias ligadas à área policial. Era uma história incrível.

Sábado é dia de mutirão na redação, pois todos querem um descanso do fim de semana e é preciso fechar cedo a edição do Diário. Com raras exceções todos se ajudam. A entrevista, na verdade, era da repórter Amanda Antunes, em que um delegado de polícia era questionado sobre um inquérito concluído.

Não um inquérito qualquer. Era uma história com enredo que nem Nelson Rodrigues, em seus mais prolíferos tempos conseguiria imaginar. Se vivo estivesse, certamente teria matéria prima para inspirar mais um daqueles episódios sórdidos que muito bem sabia lavrar.

Pois eis que na aconchegante Timóteo uma mulher de 26 anos tentou matar o seu marido, um homem de 55 anos. Pelo menos é o que diz o delegado, amparado por um laudo do técnico do Instituto de Criminalística da Polícia Civil.

A mulher não deu no marido um tiro ou certeiras facadas, machadas, ou marretadas, algo que pudesse evidenciar, de chofre, um assassinato. Pensou em algo que pudesse camuflar a morte provocada.

Os exames mostraram que o homem sofrera uma tentativa de homicídio por envenenamento, pois fora encontrado no muco gástrico de seu estômago amostras do veneno clandestino conhecido como chumbinho, um raticida.

Pois para o delegado, a moçoila, no esplendor de seus 26 anos, tentou pôr fim à vida do seu apaixonado marido. Para a família dele, não resta dúvida. Ela quer matar o homem para ficar com o dinheiro dele.

O mais curioso é que, após ficar na UTI entre a vida e a morte e ter a sorte de sobreviver ao atentado, o homem não resistiu aos encantos da mulher e com ela voltou a viver.

Mas a lei, que é cega para essas coisas do coração, precisa ser aplicada e a moçoila vai responder processo criminal por tentativa de homicídio. Pode ficar uns bons anos na cadeia, mesmo se o apaixonado marido voltar atrás no seu depoimento, diz o delegado.   

Ao sair da UTI e ser liberado do hospital em Timóteo, a vítima relatou na delegacia, à época, que o casal estava em processo de separação. E foi numa tarde de reencontro que a bela dona quase concluiu o seu intento ao chamar o apaixonado para fazer um lanche com ela.

Ele nem chegou a comer o “misto quenteque a mulher lhe preparou, pois lhe foi oferecido um copo de suco de maracujá. Gelado, adoçado, com um leve e estranho gosto adstringente. O homem sorveu os primeiros goles e reclamou: “Estou passando mal”.
Imagem da web. Quem resiste aos encantos de uma bela dona? Ainda que seja com suco de maracujá por cima?
Aqui ocorre a cena determinante da trama. Ela jogava a cabeça para trás e ria. Os cabelos pendiam pelas costas e ele não entendia. Ela levantou a blusa e, com um copo na mão, derramou um fio de suco abaixo do peito. A bebida, que escondia o intento da morte, escorreu levemente por entre os pequenos pelos do abdômen e foi então que ela pediu: “lambe aqui”.

E foi nesse jogo de sedução que ele esqueceu-se do mau estar inicial e, cego de paixão por aquele corpo sorveu mais alguns mililitros daquela bebida fatal. Ele acordaria dois dias mais tarde, entubado na UTI do hospital.

E será porque o suco de maracujá? Seria a intenção de esconder entre os resíduos negros da semente do maracujá os fragmentos semelhantes do chumbinho? Uma camuflagem perfeita para uma substância violenta. Poucos seres humanos escapam da morte por envenenamento com esta substância.

O delegado devaneia em torno do assunto e conclui a entrevista a afirmar não  saber se ela convenceu o marido de que não o envenenou ou se o charme dela o fez esquecer de tudo e estão juntos novamente.

Em tempo, a tentativa de homicídio é uma ação penal incondicionada. Ainda que a vítima retire a denúncia, a legislação determina que o indiciamento seja concluído e os autos encaminhados ao Ministério Público. Caberá ao MP cruzar novamente as informações com o resultado do exame da Criminalística e denunciar ou não a acusada pela tentativa de execução

Comentários

  1. Jovem, este caso me faz lembrar outro lá em Santana do Paraíso, onde o marido de uma bela morena, que trabalhava como estivador em um desses portos do Brasil, levava dezenas de galhadas durante a sua ausência no lar. Ao retornar a cada dois meses e ficar sabendo das peripécias da esposa, ele simplesmente agredia cada um dos Ricardos, e voltava para os braços da mulher. A cena se repetia cada dois meses, até o dito cujo ficar conhecido como o Corno Balboa

    ResponderExcluir

Postar um comentário