Efeitos da pregação midiática

"Não fique triste não. Pode ser que na próxima eleição sua candidata vença a disputa e você vai bamburrar de ganhar dinheiro novamente". Escutei essa frase de um dono de veiculo de comunicação, falando ao dono de outro veículo de mídia em 2009, quando confirmou-se que o candidato a prefeito, eleito em Ipatinga, não tomaria posse por estar impugnado. 

Acredito que essa frase seja a síntese de muita coisa que ocorre na mídia atualmente. Ela representa a estreita relação poder x dinheiro x linha editorial, no Vale do Aço, em Minas Gerais, no Brasil, em Buenos Aires, Washington ou Libreville, no Gabão

Mas não é só isso. Ha algo mais. Há uma ideologia a definir a linha editorial e no caso brasileiro específico do nordestino, pau de arara que em 2002 virou presidente da República, uma ideologia permeada pelo preconceito. Não é admissível, por uma boa parte dos pseudos intelectuais, que um semi analfabeto tenha sentado na cadeira palaciana. O incrível é que a revolta e indignação deles caia sempre em ouvidos moucos, pois o ex-presidente - agora longe de ser um pobre trabalhador - ainda está nas graças do povo, que talvez veja nele um um dos seus pares.

Uma análise mais aprofundada dessa questão ideológica está na página 24 da edição 671 da revista Carta Capital no artigo "Efeitos da pregação midiática", de autoria do dono da revista, Mino Carta. Segue abaixo um excerto do editorial. Apenas alguns minutos de leitura levam ao fim das palavras do professor Carta:

Para não fazer injustiça com os verdadeiros jornalistas, só trocaria o termo imparcialidade por "liberdade de imprensa"
Há tempo largo a mídia cuida de excitar os herdeiros da Casa-Grande ao sabor de pavores arcaicos agitados por instrumentos cada vez mais sofisticados, enquanto serve à plateia, senzala inclusive instalada no balcão, a péssima educação do Big Brother e Companhia. 

Nem todos os herdeiros se reconhecem como tais, amiúde por simples ignorância, todos porém, conscientes e nem tanto, mostram se afoitos, sem a percepção de seu papel, em ocasiões como esta vivida pelo presidente mais popular do Brasil, o ex-metalúrgico Lula doente. E o estímulo parte, transparentemente, das senhas, consignas, clichês veiculados por editorialões, colunonas, artigões, comentariões.

Celebrada colunista da Folha de S.Paulo escreve que Lula agora parece “pinto no lixo”, cuida de sublinhar que “quimioterapia é dureza” e que vantagens para o enfermo existem, por exemplo, “parar de tomar os seus goles”. Outra colunista do mesmo jornal, dada a cobrir tertúlias variadas dos herdeiros da Casa-Grande, pergunta de sobrolho erguido quem paga o tratamento de Lula. Em conversa na Rádio CBN, mais uma colunista afirma a culpa de Lula, “abuso da fala, tabagismo, alcoolismo”. A cobra do Paraíso Terrestre desceu da árvore do Bem e do Mal e espalhou seu veneno pelos séculos dos séculos.

Às costas destas miúdas aleivosias, todas as tentativas pregressas de denegrir um presidente que se elegeu e reelegeu nos braços do povo identificado como o igual capaz de empenhar-se pela inclusão de camadas crescentes da população na área do consumo e de praticar pela primeira vez na história do País uma política externa independente. Trata-se de fatos conhecidos até pelo mundo mineral e no entanto contestados oito anos a fio pela mídia nativa. E agora assistimos ao destampatório da velhacaria proporcionado pelo anonimato dos navegantes da internet, a repetirem, já no auge do ódio de classe, as tradicionais acusações e insinuações midiáticas.

Há uma conexão evidente entre as malignidades extraordinárias assacadas das moitas da internet e os comportamentos useiros do jornalismo do Brasil, único país apresentado como democrático e civilizado onde, não me canso de repetir, os profissionais chamam o patrão de colega.

Por direito divino, está claro. E neste domínio da covardia e da raiva burguesotas a saraivada de insultos no calão dos botecos do arrabalde mistura-se ao desfraldado regozijo pela doença do grande desafeto. Há mesmo quem candidate Lula às chamas do inferno, em companhia dos inevitáveis Fidel e Chavez, como se estes fossem os amigões que Lula convidaria para uma derradeira aventura.

Os herdeiros da Casa-Grande até mesmo agora se negam a enxergar o ex-presidente como o cidadão e o indivíduo que sempre foi, ou são incapazes de uma análise isenta, sobra, de todo modo, uma personagem inventada, figura talhada para a ficção do absurdo. De certa maneira, a escolha da versão chega a ser mais grave do que a própria, sistemática falta de reconhecimento dos méritos de um presidente da República decisivo como Lula foi. Um divisor de águas, acima até das intenções e dos feitos, pela simples presença, com sua imagem, em toda a complexidade, a representar o Brasil em tão perfeita coincidência.

Comentários