Lá se vai o esquerdista

Lembro-me bem. O ano era 1995. Foi marcante chegar ao Vale do Aço e fazer algumas descobertas. E o padre Abdala Jorge estava entre os protagonistas curiosos da história local, em Timóteo.

É que lá nos píncaros manhuaçuenses recobertos por lavouras de café, terra de antigos coronéis, com sobrenomes como Assad, Abi-Ackel, Magalhães, Hannas e tantos outros, mandavam e desmandavam há anos. E eles geravam, anos após anos, herdeiros políticos iguais a eles. Faltava um Abdala para ensinar o povo a lutar contra esse status quo.

Desta forma, os poderosos se revezavam no poder em uma região marcada pela forte concentração de renda e pela monocultura do café ou pecuária. Ser pobre na Zona da Mata Mineira é ser miserável. É ter apenas o básico do básico para comer, com pouca chance de progresso e pouquíssima oportunidade para reagir ao estado imposto anos após ano. As políticas sociais daquela época eram inexistentes. A política de “bem estar social” era uma ficção longe da realidade.

Distribuição de renda, então, era um assunto proibitivo. Na minha terra natal, a alternativa de emprego para a juventude era bem definida: empregado no comércio das cidades polo (nem sempre com carteira assinada) ou carreira na Polícia Militar, com o ingresso nas fileiras do 14º Batalhão da PM. Havia também a opção de ir embora da cidade, trabalhar em outro lugar.  

Neste contexto, era comum que a maioria dos jovens de daquela época sonhassem com políticos que pudessem representar mudanças sociais e econômicas, pois os antigos rezavam mesmo era a cartilha do “tudo venha ao nosso reino, e à plebe nada”.

Mas chegar ao Vale do Aço e descobrir que os dirigentes partidários predominantes não diferiam muito daqueles antigos coronéis, não foi nada agradável.

Em uma das idas à minha antiga cidade, para visita aos parentes, relatei que os líderes ditos populares, uma vez no poder, tratavam a plebe como qualquer um no poder tratava. E não raro estavam envolvidos em escândalos idênticos aos que denunciávamos nas terras dos coronéis.

Formava-se ao redor deles uma espécie de “feudo de intelectuais” que decidia pela maioria e não aceitava ideias que não fossem as suas. Tudo igual à terra dos antigos coronéis.   


Foto: Alex Ferreira - Padre Abdala Jorge em entrevista no dia em que o então prefeito petista, Geraldo Nascimento teve o mandato cassado, em 2007, em Timóteo - MG
Mas havia uma exceção. O Padre Abdala mantinha um discurso e estimulava as pessoas à mudança. Nas reuniões com os grupos, ou mesmo nas homilias inteligentes, cada vez mais raras nos dias de hoje, o pároco sempre direto e claro, lembrava a todos a responsabilidade do indivíduo, na busca por mudanças. É verdade que as vezes seu discurso enveredava pela defesa das ideologias esquerdistas. Ele sonhava com a organização da força popular como forma de gerir os destinos da “res pública”.

“Olha meu rapaz... a conjuntura tem nos levado a dispersar forças importantes”, disse certa vez em entrevista para reportagem que era produzida para a então filial da Rádio Itatiaia Vale do Aço 650AM.

Lembrei-me disso ao ligar o rádio bem cedo nesta terça-feira e escutar o amigo Júlio Oliveira noticiar a morte do padre Abdala Jorge, aos 85 anos, por complicações do seu quadro de saúde. Lá se foi o esquerda Abdala Jorge.

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