Nas cidades pequenas ainda
é comum a existência
velada de um personagem cruel, o agiota. Trata-se
do homem - ou
mulher - que
tem dinheiro e decide emprestá-lo a quem precisa e não tem como recorrer ao sistema financeiro convencional.
Tradicionalmente, quem
cai ou caía nas garras
de um agiota
protagonizava um papel
bem parecido com
aquele inseto
que cai na teia
da aranha. Quanto mais se mexe, mais se enrola e acaba morto. Para
se ver livre
do mercenário, o sujeito
pagava pelo menos
três vezes
o valor emprestado com
"toda boa vontade".
Não raro, casos de agiotagem acabavam em
ocorrência policial
e não foram poucas as vezes que deu 121, o artigo
do Código Penal
que trata
do crime de homicídio.
O agiota é uma figura quase em
desuso. Também pudera. No seu lugar surgiu outro
bem mais poderoso, o cartão
de crédito. Ele
é uma solução para quem quer comprar, utilizar o sistema de bônus e evitar carregar quantias em dinheiro sem comprometer o minguado – ou
não - salário
recebido.
Cores chamativas de uma arapuca para os incautos |
As operadoras oferecem até
um sistema
de pagamento automático
ou boleto
eletrônico. Próximo
do vencimento da fatura,
a fatura é enviada
para o e-mail do usuário.
"Economize papel", diz o incentivo de uma das operadoras.
Mas a modernidade de
plástico não
resolveu a sanha maligna
do agiota de carne
e osso. Para quem usa o
chamado crédito rotativo,
com o financiamento da conta
no fim do mês,
acaba na mesma situação
que das vítimas
dos primeiros agiotas.
As taxas são
suicidas para
qualquer orçamento.
Esse hábito de receber faturas por
email ou no débito
automático nos
leva apenas
a conferir o valor
e a lista das compras
debitadas na fatura. E as demais informações
passam ao largo, despercebidas.
Neste fim de semana imprimi - coisa que não fazia
há tempos - uma fatura.
São três
páginas, uma com
as compras debitadas e o código de barras,
e as outras trazem várias informações, inclusive uma inteira
tentando me convencer
a parcelar o pagamento. Nunca o fiz, mas
por curiosidade
foi lá ver.
Fiquei pasmado.
Enquanto a Selic,
a taxa básica,
caiu para cerca
de 3% ao ano, em
termos reais,
após incentivo
do próprio governo,
os juros do financiamento rotativo do cartão
alcançam inacreditáveis 451,12% (Custo Efetivo Total ao ano).
O simples parcelamento
da fatura já
elevaria o valor em
10,89% e o pagamento em
atraso geraria um
aumento automático
de 17,45%.
Caso de polícia o custo total do juro do crédito rotatório |
É um caso de polícia.
Nem o Gilsinho da Funerária,
o pior e mais
sanguinário agiota que já conheci,
na prosaica e fria
Manhumirim, teria coragem de aplicar
taxas nessas proporções.
Espero que nunca tenha que
atrasar, parcelar, refinanciar ou
qualquer outro
"ar" no pagamento
das faturas dos meus
cartões. Tenho dois,
com datas
diferentes do mês.
E os uso apenas
nos postos
de abastecimento, quando raramente preciso
recorrer a uma farmácia, consulta
ou exame ou ainda
naquela passada semanal
no sacolão ou supermercado.
Os gastos são rigorosamente
controlados mesmo com
os cartões adicionais.
Também não
pago tarifas
ou mensalidades
para mantê-los. Em
ambos os casos
me foram oferecidos de graça. Um
deles, eu só
mantenho por causa
de um seguro
de vida debitado mensalmente
na conta. O outro
uso um
programa de bônus
que me
dá umas bugigangas que
eu gosto,
para acampamentos ou
prática de mountain bike.
No mais, compro a dinheiro. Descobri que
toda loja
dá pelo menos
5% de desconto sobre
o preço final
acertado, quando o cliente
saca uma carteira
com dinheiro
"vivo". Se, com a carteira
recheada na mão, ameaçar
sair sem comprar, o desconto
pode ser maior
ainda. Os conhecidos
também aceitam dar
descontos para
pagamento com
cheque. Cheque
não tem tarifa.
Cartão obriga o lojista
a perder 5% ou
mais em
cada venda.
É o agiota que
ganha de todos
os lados.
Origem
Recentemente, ao ler o artigo "O agiota de plástico",
de autoria de Marcos Augusto Gonçalves, lembrei-me da origem
dessa praga. "O ancestral dos atuais
cartões de crédito
apareceu na década de 1920, nos Estados
Unidos (tinha que
ser coisa daquele povo)". Empresas
os entregavam a alguns clientes, considerados honestos
e fiéis, para que
pudessem fazer compras
e pagar depois.
"Esse fetiche monetário
do capitalismo contemporâneo
atrai cada vez
mais brasileiros
que chegam ao mercado
de consumo. Por
um lado,
é uma boa notícia, por
outro, difunde-se uma arapuca que
pode gerar endividamentos
em bola
de neve. É que
as operadoras, como se noticiou nesta semana, praticam no Brasil os juros
mais elevados
do planeta", relata o articulista.
E porque não alcunhar mesmo de agiota um sistema que cobra juros estratosféricos de 451,12%. "Que nome dar a isso? Agiotagem parece pouco",
conclui o articulista Marcos Augustus e eu
concordo plenamente com
ele.
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