Era apenas uma espatódea

Quando criança gostava de brincar com o gineceu de umas árvores que formavam uma carreira na linha divisória entre o pátio de recreio, as quadras poliesportivas e o campo de hortas modelo de Práticas Agrícolas da escola de ensino fundamental, antigo Polivalente, no bairro Pedregal, na saudosa cidade natal. A planta produzia, logo depois da flor, um fruto contendo um líquido pouco viscoso.

Quebráva-mos a ponta deste fruto e, ao apertá-lo, dele saía um potente esguicho de seiva. Caso pingasse sobre roupas brancas de algodão deixava uma nódoa que nem soda cáustica limpava. Dizíamos que íamos brincar com o "mijão" quando pegáva-mos os frutos daquela árvore para fazer a guerra de esguichos.

Perdi algumas camisas de uniforme e ganhei bons esculachos de minha mãe. Ouvia dela intermináveis sermões, que me caíam em ouvidos moucos e, na semana sequinte, tudo se repetia.

Eu brincava de esguicho, perdia novas camisas e ganhava homéricos esculachos. Por que será que as mulheres gostam de dar esculachos na gente? Mas deixa pra lá essas questões freudianas.

Pois agora, no peso da idade e esquecimento de momentos assim, no fuça-fuça, clica-clica de uma noite de domingo, eis que me pego a escutar mais atentamente Nando Reis: Espatódea - "Não sei se o mundo é bom. Mas ele está melhor desde que você chegou e perguntou: Tem lugar pra mim? Espatódea, Gineceu, Cor de pólen".

Eu, que nunca soube de tudo nesse mundo, e nem vou saber, fui ao São Google, aquele tudo sabe, e descubro que a razão do título da música era justamente aquela árvore tão marcante da minha infância. Era apenas uma espatódea.