De jornalistas a pasteurizadores


Pode até parecer tom professoral, mas não é. Trata-se do resultado de uma observação sobre uma questão inquietante. É que desde o começo na carreira de reportar fatos (isso já faz mais de 20 anos), aprendi que eventos deveriam ser aproveitados ao máximo para entrevistar fontes que, normalmente, não são tão disponíveis.

Nos eventos, as pessoas estão mais suscetíveis a conversar com os jornalistas e a falar sobre as coisas. Não há persistência que não quebre uma cara fechada.

Os minutos que antecedem os eventos são cruciais para que os repórteres busquem entrevistas que, posteriormente, vão respaldar reportagens, notícias, notas e, quando nada, estabelecer um contato com uma fonte, pegar um telefone, um email, enfim, estes minutos devem ser de alguma serventia útil, mas nunca para momento de recreação de classe. 

Na faculdade, lembro-me das aulas do  Reinaldo Maximiano, na disciplina de técnicas de redação. Na verdade a disciplina era “Técnicas de Redação, Entrevista e Pesquisa Jornalista – Trepj”. Claro que as aulas serviram para aguçar e refinar o que já praticava há mais tempo. 

É elementar este comportamento, de os jornalistas “encherem o gravador” nos grandes eventos. Antigamente o gravador enchia porque, em uma fita K-7, cabiam 30 minutos de gravação em cada lado. Hoje, impossível, pois gravadores digitais podem gravar até 12 horas de áudio em stereo. 

Fato

Há alguns dias fui cobrir a lacuna deixada com as férias da colega Bruna Lage. Desembarco em um evento no Centro de Desenvolvimento de Pessoal da Usiminas e encontro, de um lado, uma recepção recheada com dezenas de fontes. 

Do outro, um grupo de colegas, a papear tranquilamente, como se nada ali ocorresse. Esperavam animadamente o presidente da empresa e o governador. O foco era a fala oficial, pelo visto.

Foto: Wôlmer Ezequiel / Tinha fontes de mais e jornalistas de menos para entrevistá-las

Enquanto isso, pairavam no local placidamente a filha do ex-presidente, JK – fundador da Usiminas, Maria Estela Kubstichek de Oliveira, os sete samurais – grupo formado pelos primeiros engenheiros da Usiminas que foram enviados ao Japão – ex-presidentes, ex-diretores, políticos, enfim, fontes para encher até gravador digital. 

Primeiramente pensei que o cerimonial havia proibido entrevistas. Rapidamente apurei que isto não existia e as fontes poderiam ser entrevistadas. Bastou que eu começasse as entrevistas e a turma foi atrás. Acordou para a necessidade de se buscar assuntos interessantes, que extrapolassem o assunto principal, óbvio, e que todos publicariam.   

Onde foi que começou o erro? Quando deixamos de ser jornalistas para sermos pasteurizadores de relatos? Será que a escola de comunicação matou os jornalistas? A preguiça é que tomou conta? Repostas para essas questões desconheço, mas concluo que as “panelinhas” substituíram a busca pela notícia exclusiva. Não há que se questionar o compartilhamento do óbvio, mas buscar o “algo mais” não pode ser esquecido, jamais.

Nada contra amizades, mas tudo contra a falta de limites destas amizades na hora de trabalhar, ganhar o pão de cada dia e marcar o espaço no território profissional. Ou seremos todos, de agora em diante, medíocres autores de um modelo pasteurizado? 

Comentários

  1. O universo retratado pelo repórter não faz parte do contexto dos jornalistas e outros desinformados profissionais da nova geração.
    Em situação oposta, se estivessem no recinto ex-BBBs, "celeridades" e outros ícones da futilidade e do besteirol, as entrevistas seriam disputadas literalmente a tapas...
    Nesse contexto, dane-se o distinto público ouvinte e leitor.

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  2. Cometeu dois pecados, primeiro generalizou e depois esqueceu de se perguntar se isso é coisa localizada no interior. Pois saiba aqui na capital o pau quebra na cabeça da moçada, que não há tempo para a dita confraternização de coleguinhas, meu caro. bom trabalho procê neste forno de Ipatinga. Rafael Costa.

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  3. Caro anônimo, entendo que são jornalista mal orientados, isso sim. Agora, que o banal banalíssimo tem tomado conta do noticiário, isso é verdade. O problema é que o lixo cultural vende rápido. Ótimo para quem não tem compromisso com a função social da comunicação, não é mesmo? Caro Rafael, espero que seja mesmo coisa localizada de interior, fico menos preocupado.

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  4. Ótimo texto e percepção Alex!
    Parabéns!!!

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