Você não está com
medo, Alex? A voz embargada de uma jornalista dava o tom do ânimo dos
colegas do Vale do Aço no fim de semana que se seguiu ao dia da execução, em 8 de
março, do repórter Rodrigo Neto, profissional com quem dividi espaço, por um
ano, na rádio Itatiaia Vale do Aço, por volta de 2002.
E assim saí, seguido do trairôncio, digo, colega traíra. Saí vivo da sala, diante dos olhos aterrorizados dos funcionários da delegacia e outras pessoas que usavam o setor de identificação e trânsito.
O caso foi parar na Comissão de Direitos Humanos da ALMG, o trairôncio foi demitido no mês seguinte e o delegado transferido.
O colega da Rádio Itatiaia de Belo Horizonte, Laudívio Carvalho, tinha bom trânsito na então Secretaria de Estado de Segurança Pública e deu uma força para acabar com o bafão. E me repassou um conselho fraterno quando fui a BH, prestar depoimento.
- Jovem, aqui (em BH) a conversa é outra. “Temos bala na agulha” pra comprar este tipo de briga. E você, tem seguro de vida, motorista, onde se esconder após publicar uma denúncia grave? As entidades organizadas te apoiam? A empresa te dá o essencial aparato técnico e moral para isso? Se não os tem, cuidado onde pisa.
Respondi que não.
O caso do Rodrigo foi isolado, no contexto geral, mas uma coisa anunciada, para
quem se habilita a mergulhar no mundo da investigação de casos policiais. Esta
área é como um pântano sem fundo. Quanto mais se pisa nele, mas se afunda, a
tal ponto que o profissional pode ser sufocado com o lamaçal.
Ou o profissional
corre este risco ou fica à margem, apenas molhando os pés, nos relatos factuais
e menos arriscados. Nenhum profissional da comunicação que entrou neste mundo permaneceu nele. Ou foi morto ou teve que abandonar esta linha de atividade dentro do jornalismo, como bem lembrou um leitor deste minifúndio cibernético na postagem anterior intitulada "A polícia deve uma resposta".
Senti na pele
isso, quando em 1998 um colega da Itatiaia Vale do Aço passou a mão numa fita
K-7 com gravações de uma série de reportagens que eu fazia, sobre um caso que envolvia abuso de
autoridade e tortura praticados por agentes da delegacia Seccional de Coronel
Fabriciano, e a entregou ao delegado titular.
Era uma manhã
cinzenta. Com neblina, mas abafada. O delegado seccional ligou no celular corporativo da Itatiaia, um tijolão Motorola
que ficava comigo, e chamou-me à delegacia. Eu estava por perto, numa entrevista no terminal rodoviário de Fabriciano e fui logo. A delegacia fica a 200 metros.
Para minha
surpresa, flagrei o colega de redação saindo apressado da sala do delegado. Penso que ele jamais imaginava que eu estaria por perto. Sua
pança avantajada, careca brilhosa como um espelho, camisa arregaçada até os
cotovelos e uma valise arredondada de tanto papel, me levaram à mente na hora o
que se passava.
O próprio
delegado o chamou de volta à sala. Eu entrei na frente, e ele atrás. Sentamos
lado a lado na frente da mesa do delegado. O colega respirava alto, sem saber o
que fazer. Suas bochechas obesas tremiam.
Do outro lado da
mesa, o delegado que pesava uns 140 quilos, com um revólver niquelado nas mãos, disse em tom ríspido e arrogante, que lhe era peculiar:
- O colega aí me
trouxe uma fita com suas reportagens.
- Pois não?
- Pois não, que
você está fuçando onde não deve.
Repentinamente,
aos berros, disparou a falar sem parar
- Vou te matar,
seu filho da puta!. Você é uma desgraça, seu peste! Você ainda amanhece com a
boca cheia de formigas... e assim foi por uns três minutos ou mais.
Eu temia que ele pudesse descarregar o revólver ali mesmo, dentro da sala. À beira de um colapso cardíaco, o balofo delegado parou.
Eu temia que ele pudesse descarregar o revólver ali mesmo, dentro da sala. À beira de um colapso cardíaco, o balofo delegado parou.
- Dr, o senhor já
terminou? - Indaguei.
- Fooooooooraaaaa
da minha salaaaaaaaaaa ! - E um silêncio mortal abateu-se sobre a sala.
E assim saí, seguido do trairôncio, digo, colega traíra. Saí vivo da sala, diante dos olhos aterrorizados dos funcionários da delegacia e outras pessoas que usavam o setor de identificação e trânsito.
O caso foi parar na Comissão de Direitos Humanos da ALMG, o trairôncio foi demitido no mês seguinte e o delegado transferido.
O colega da Rádio Itatiaia de Belo Horizonte, Laudívio Carvalho, tinha bom trânsito na então Secretaria de Estado de Segurança Pública e deu uma força para acabar com o bafão. E me repassou um conselho fraterno quando fui a BH, prestar depoimento.
- Jovem, aqui (em BH) a conversa é outra. “Temos bala na agulha” pra comprar este tipo de briga. E você, tem seguro de vida, motorista, onde se esconder após publicar uma denúncia grave? As entidades organizadas te apoiam? A empresa te dá o essencial aparato técnico e moral para isso? Se não os tem, cuidado onde pisa.
Ainda assim,
durante muitos anos, fiz matérias para lembrar episódios sem esclarecimentos como
o Caso Juninho, o assassinato do taxista Moacir, o crime da mala, que
acompanhei com um colega do Diário do Aço e muitos outros. Nunca quis ser
herói. Entretanto, a fila de crimes não esclarecidos nunca parou de crescer.
é preciso ter discernimento e o seu colega de BH tem razão, sem estrutura a prudência manda que se preserve, a não ser que queira ser mártir. abs. Marcos
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