O Brasil de olhos azuis não mendiga atendimento em posto do SUS

O "Brasil de olhos azuis" está indignado com a "importação" de médicos cubanos. E vira notícia com tópicos de escândalo, a agressividade com que algumas pessoas - profissionais da medicina ou não - tratam os profissionais que chegam para trabalhar, onde os profissionais nativos não se interessaram.

Já atuei em áreas remotas, em áreas rurais e, se há uma coisa que eu conheço, de perto, é a dificuldade do acesso do povo dos rincões aos serviços médicos.

Ouvi de um colega de grande cepa profissional que o povo da Floresta Amazônica não precisa de médico, pois na mata eles têm tudo para se tratar. Prefiro acreditar que ele brincasse com essa afirmação.

Eu contava sobre uma missão médica integrada por especialistas expedicionários da medicina que, uma vez por ano, sai do Rio de Janeiro e São Paulo e vai para o alto Amazonas e afluentes tratar o povo com apoio do Exército e da Força Aérea.

Em muitos casos, as pessoas ficam com enfermidades um ano, de ginecologia a cárie dentária, até a chegada dos profissionais. Isso porque nenhum profissional aceita morar lá, para atender nas comunidades isoladas da floresta, embora exista um programa do governo para a contratação. O salário é de R$ 12 mil, mas ninguém quer. A alegação é a falta de recursos tecnológicos suficientes para o trabalho.

Mas, o fato é que a vinda de médicos cubanos virou um debate ideológico. É um governo de partido com gente de esquerda, que contratou serviços de um governo ditatorial de esquerda. 

"Trouxeram militantes políticos", "O dinheiro que o governo vai repassar para o governo  cubano vai financiar a vida boa dos ditadores", "O trabalho dos médicos cubanos é escravo", disparam os reacionários por todos os lados.  

E a  necessidade de médicos para atender a população? Ah, para que discutir isso? O Brasil de olhos azuis não precisa mendigar atendimento em posto de saúde nem esperar missão expedicionária médica nos rincões. Replico, abaixo, texto de um jornalista sobre o assunto.
Foto: Agência Brasil   / Desembarque de médicos cubanos em Recife, Pernambuco em 25/08/2013

Debate sobre os médicos me dá vergonha

Gilberto Dimenstein *



O perfil dos médicos cubanos é o seguinte: em geral, eles têm mais de uma década de formados, passaram por missões em outros países, fizeram residência, parte deles (20%) cursaram mestrado e 40% obtiveram mais que uma especialização.

Para quem está preocupado com o cidadão e não apenas com a corporação, a pergunta essencial é: essa formação é suficiente?

Aproveito essa pergunta para apontar o que vejo como uma absurda incoerência - uma incoerência pouca conhecida da população - de dirigentes de associações médicas. Um dos dirigentes, aliás, disse publicamente que um médico brasileiro não deveria prestar socorro (veja só) se um paciente for vítima de um médico estrangeiro. Deixa morrer. Bela ética.

Provas têm demonstrado que uma boa parte dos alunos formados nos cursos de medicina no Brasil não está apta a exercer a profissão. Não vou aqui discutir de quem é a culpa, se da escola ou do aluno. Até porque para a eventual vítima tanto faz.

Mesmo sendo reprovados nos testes, os estudantes ganham autorização para trabalhar.

Por que essas mesmas associações, tão furiosas em atacar médicos estrangeiros, não fazem barulho para denunciar alunos comprovadamente despreparados?

A resposta encontra-se na moléstia do corporativismo.

Se os brasileiros querem tanto essas vagas por que não se candidataram?

Será que preferem que o pobre se dane apenas para que um outro médico não possa trabalhar?

Sinceramente, sinto vergonha por médicos que agem colocando a vida de um paciente abaixo de seus interesses. (*) Gilberto Dimenstein é jornalista.

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