Agulhas debaixo das unhas

Hoje quando logo cedo peguei a edição impressa da Folha de São Paulo e deparei com a charge do Jean Galvão, lembrei-me das histórias cabulosas que escutava na infância, sobre “subversivos” apanhados pela Polícia Militar em Manhuaçu.
Reprodução Folha de São Paulo - Pagina 2 da edição de 26 03 2014
Uma delas me dói os ouvidos até hoje. É a história de Geraldo, acusado de ser comunista, foi preso e torturado. “Coitado, teve agulhas enfiadas debaixo das unhas”, relatou o meu avô.

Por que?, eu quis saber.
Era para contar alguma coisa que ele sabia, respondeu
Mas o que ele sabia?
Ah, fio o Geraldo mexe com esse trem de pulítica, né?

E assim a conversa chegava ao fim sem que eu entendesse o porquê de o pobre corcunda Geraldo ter agulhas fincadas debaixo das unhas.

O tempo passou e fui à escola. Havia um soldado que “patrulhava” o turno da tarde na Escola Estadual Cordovil Pinto Coelho. Do alto da inocência dos 7 anos, em 1980, no primeiro ano primário, sentava numa das primeiras cadeiras da segunda fileira de carteiras perto da porta.

Enquanto o silêncio de se ouvir moscas reinava na sala, bem ao fundo do corredor um “toc”, “toc”, “toc”, “toc” seco e crescente do coturno do soldado irrompia pelo ambiente. Fardado, ele passava numa marcha lenta incansável diante de portas abertas de todas as salas de aula.

Quando entrei na escola já havia esse policiamento. Em 1983, se me lembro bem, sumiu o soldado da escola. É que neste ano o Brasil dava os primeiros passos na abertura política que poria fim os anos da ditadura em 1985.

Muito tempo mais tarde fui ter ciência que o patrulhamento do soldado objetivava coibir alguma pregação comunista dos professores para nós, os pequenos cidadãos que o regime tratava como “futuro da nação”.

O sisudo militar, entretanto, tinha um bom coração com a criançada. Era carinhosamente chamado por todos de “João Karatê”, e explico por que. Ele era professor de Karatê e mantinha uma academia, nas proximidades da praça do Hospital César Leite.

Na quinta série, mudei de escola. Fui para o Polivalente, onde a pregação de esquerda era uma prática aberta. Em menos de um ano já lia obras dos maiores autores de esquerda da história.

A bibliotecária, dona Marlene, de quem me tornei amigo, permitia que me refugiasse nos recantos da enorme biblioteca da escola – quando me cansava das modorrentas aulas - e sempre me emprestava livros de ciências políticas.

De tanto gostar do assunto, em 1989 comprei numa livraria de sebos em Belo Horizonte o livro “As grandes obras políticas – de Maquiavel a nossos dias”, de Jacques Chevallier.

Mantenho o exemplar conservado na minha estante. Foi útil na faculdade e até hoje me serve. Agora, à véspera dos 50 anos do golpe militar, a releitura das grandes obras políticas está mais atual do que nunca.  

Comentários

  1. Olá, Polivalente de que cidade? Não seria da terra da xuxa? hehehe aqui tem polivalente também. obrigada

    ResponderExcluir
  2. Polivalente de Manhuaçu, MG, cara anônima. Vc é de qual cidade?

    ResponderExcluir

Postar um comentário