Vítima da intolerância

Por volta de 1h deste sábado completou um ano que o telefone  corporativo tocou. Naquela noite tinha dormido cedo, vencido pelo cansaço da semana e o sono, já leve na madrugada, foi-se de vez quando o telefone chamou. 

Do quarto escuro ao escritório, a cada toque que o telefone dava a preocupação aumentava. Seria uma fonte com alguma notícia de acidente? Que nada, ela o colega da cobertura de assuntos policiais, Wellington Fred, que já estava na rua apurando informações acerca da execução do repórter Rodrigo Neto.

Todos os colegas de profissão sabem que os dois não se bicavam, mas o Fred, com voz embargada relatou o que havia acontecido. Era preciso superar qualquer divergência diante daquela situação e o repórter que falava ao telefone conseguiu isso, tanto que a cobertura do jornal sobre o caso foi a mais ampla possível e, principalmente, sem passionalidade.

Pena que muitos colegas não tenham feito o mesmo, ou seja, superado fissuras pessoais diante da dor da perda do repórter. Pelo contrário, a manutenção do ranço das escaramuças antigas até serviu negativamente à união que alguns colegas fizeram para pedir o esclarecimento do caso.   

Mas, a voltar àquela madrugada de 8 de março, com as informações preliminares, escrevi a primeira notícia que seria veiculada, no jornal online, sobre a morte de Rodrigo Neto. 

Minutos após a postagem na página do Diário do Aço, alguns colegas ligaram, incrédulos. “É verdade?”, insistiam em perguntar. Era sim. Passei o resto da madrugada com atualizações da notícia, que seria assunto tratado diariamente nos meses adiante. 

Arte: Paulo Leite - Diário do Aço
No dia seguinte, um comentário infeliz apareceu no gerenciador de notícias e conteúdo do portal online. “Quem procura, acha”, vinda de uma determinada entidade. 

Bem, trabalhei com o Rodrigo Neto por um ano na Rádio Itatiaia Vale do Aço. Era um “bico extra” dele, na vaga surgida com a saída repentina do repórter policial Mauro Heleno, em 2002. Nos 12 meses, tivemos uns embates vigorosos e ele, que se dedicava muito ao jornal em que estava fichado, acabou por sair da rádio.  

Na prática, o rádio veicula o factual e imediato, enquanto o jornal era o factual, investigado e bem elaborado, mas que só podia ser publicado no dia seguinte. Ele não escondia que tinha ficado insatisfeito com o desfecho, mas o fato é que o trabalho nos dois veículos, naquelas circunstâncias, era incompatível.

Rodrigo era um sujeito brincalhão com as palavras. Inventava rimas com os nomes das pessoas. Sempre que me via falava com voz empostada de locutor de rádio: “Alex Ferreira, sem eira nem beira!”. 

Pela convivência que tive com ele, posso dizer que, se há um conceito que não poderia ser aplicado ao trabalho do repórter   é esse “quem procura, acha”. Rodrigo entendia que era uma missão, trabalhar daquela forma. Sua atuação mudou um pouco, talvez para uma maior contundência, depois que foi estudar Direito.

Como passou a conhecer o arcabouço jurídico, penso que seu trabalho passou a representar uma ameaça ainda maior para quem matava, executava, promovia chacinas e integrava grupos criminosos. 

Uns três meses antes de ser executado, Rodrigo passou-me o telefone de uma fonte que queria se pronunciar sobre o aniversário de uma das chacinas no Vale do Aço.  “Já fiz minha parte, agora veja se tem como dar um espaço para eles”, pediu. Eu telefonei para a fonte, agendamos uma entrevista, que foi desmarcada pela própria fonte e não foi remarcada nunca mais.
     
E, como diz uma carta distribuída pela viúva do repórter e familiares, passado um ano do crime ainda não se sabe quem mandou mandar e porque mandou matar. Com respostas incompletas, refletimos hoje sobre o silêncio imposto ao colega, que acabou vítima da intolerância que sempre criticou em suas matérias. 

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