Inversamente proporcional

Interessante esse negócio de as pessoas agora viverem conectadas o tempo todo, ilimitado. Já tem casos em que se fazem reuniões com alguém conectado e simplesmente não se chega a lugar algum em função disso. É a tecnologia com o uso errado, na hora errada e com resultados negativos, situação inversamente proporcional aos princípios de sua criação e desenvolvimento.

Sou do tempo em que, quando uma pessoa falava a outra ouvia, interpretava e respondia, argumentava, contra argumentava e assim as coisas se resolviam. Nem que fosse na base do “enquanto um burro fala, o outro murcha as orelhas”.

Agora, trocam-se duas palavras, surge um sinal sonoro, e alguém se volta para a tela do smartphone. Não se consegue mais conversar com algumas pessoas por mais do que 30 segundos sem essa interrupção. Deve ser o vício do twitter com frases em 140 toques.

Impossível não se lembrar dos casais que agora, em maioria, sentam-se às mesas de  restaurantes e, em vez do tradicional cochicho permeado de sorrisos maliciosos da penumbra, preferem ficar cada qual em seu canto da mesa, com a tela brilhante na frente, enquanto esperam o prato. As vezes o prato chega, mas a tela parece mais interessante do que a gastronomia.

Curioso, fui fazer uma investigação do que tanto chama  a atenção dos portadores desses smartphones, também conhecidos como “homo encurvado”, pois de tanto olharem para a pequena tela, curvam-se ao ponto de fazerem-se lembrar uma nova espécie.

Eis que em um desses indigitados, descubro que, além de quatro contas – isso mesmo 4 – conectadas, com email que chegava de tudo quanto é lado, inclusive dos casos lascivos, também estava conectado com um portador de mensagens do Facebook, com o WhatsApp (dois grupos) e mais um tanto de amigos usuários online.

Com outra, ouvi a confissão de que se mantém conectada com o marido o tempo todo  em que estão fora de casa. Para isso, usam preferencialmente o messenger do Facebook. Trocam mensagens a cada dez minutos, em média. De forma variável, travam diálogos, e até discutem a relação pelo aplicativo.

Um amigo tem outra mania incrível. Usa o Endomondo, aplicativo com o qual se mede o desempenho em atividades esportivas. Ele tem oito amigos conectados online o tempo todo, com transmissão de dados das práticas em tempo real.

De onde estiver ele sabe os percursos, tempo, velocidade média e tantas outras informações técnicas quando os amigos estão em alguma  atividade esportiva.

É dessa forma que as pessoas eliminam, aos poucos, a interação face a face e voltam-se para o gélido universo virtual, onde tudo parece perfeito. E perdem a capacidade de lidarem com o diferente, com o imprevisto, com os questionamentos, com as observações do outro e, principalmente do olhar.

Já pensaram no quanto os olhares nos dizem coisas? Medo, vergonha, alegria, desejo, indiferença. Todos os sentimentos humanos traduzem-se no olhar e seus acompanhamentos. Faces enrubescidas, sorrisos forçados, risos verdadeiramente prazerosos. Enfim, são gestos com os quais os humanos se acostumaram por milhares de anos a emitir e a interpretar, que agora são mortos pelo distanciamento. Distância que nenhum selfie pode cobrir. 

Comentários