Não sobrou nem o lírio do brejo

Desde criança escutei as pessoas afirmarem que haveria guerra por causa da água. Ficava a imaginar coisas e sem entender direito do que as pessoas poderiam falar, afinal, sempre morei perto de mananciais. 

Em julho de 2014 retornei ao lugar onde fui criado. O córrego que serpenteava serras no Coqueiro Rural, em meio a matas nativas, praticamente não existia mais. 

Dei também pela falta das matas. Em vez delas, há muitos anos o espaço fora ocupado por plantações de café em curvas de nível. Um verdadeiro deserto verde. 

Com a monocultura do café veio um equipamento chamado despolpador, uma máquina granduça, com engrenagens que tiram a casca do café maduro e mantém a semente apenas na segunda casca. 

Trata-se de um processo que agrega valor ao grão e que gera bebidas refinadas. Normalmente, cafés nobres são exportados para os Estados Unidos, Canadá, Japão e países ricos do Oriente Médio, Ásua e Europa. 

Ocorre que o beneficiamento por despolpa demanda grande quantidade de água, que junto a uma gosma resultante do processo, era devolvida à natureza sem nenhum tratamento nos cursos d´água. 

Com a fiscalização inexistente até poucos anos atrás, os efluentes poluíram os regatos, córregos, ribeirões e rios na mesma velocidade em que a vegetação nativa dava lugar às plantações de café.   

Nem um pântano que havia a poucos metros da antiga sede da fazendinha persistiu ao avanço da monocultura cafeeira. Em um brejo onde passei minha infância a afundar-me até os joelhos em lama, entre nascentes, o lírio do brejo (mariazinha) sucumbiu. Não se vê nem uma raiz dele lá. 
Para ser realidade, primeiro, seria preciso chover
Mas não foi só no brejo da minha antiga moradia que a água secou. A relação entre a seca de lá e a escassez de água dos grandes centros em 2015 é o resultado de um processo lento, em lugares distintos, mas com causas e efeitos muito parecidos, ancorados na despreocupação com os recursos naturais. 

A crise do abastecimento ameaça a vida de grandes metrópoles e não se descarta a fuga em massa, de empresas e de pessoas. Falta chuva e a culpa pode ser o desequilíbrio que o homem provoca no planeta, com tal velocidade, que nem as correntes oceânicas resistiram. 
A escassez de chuva no Brasil, caso você, nobre leitor não tenha lido sobre isso, ainda, deve-se a fenômenos oceânicos que têm impedido a chegada de umidade na maior parte do território brasileiro. E isso não é de hoje. Cientistas martelam o alerta há pelo menos seis anos e muitos foram acusados de catastrofistas. 

Há muitos anos ouço pesquisadores afirmarem que o derretimento das calotas polares faz aumentar a água doce nos oceanos e isso reduz a velocidades das correntes marinhas, que por sua vez interfere no regime de chuva em várias partes do planeta.
Se nem o lírio do brejo resistiu à seca, quem dirá de nós? Será viável o custo para buscar alternativas para o abastecimento? Respostas, certamente, sairão até o fim de 2015. Quem vivo estiver, vai escutá-las.

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