Só com a roupa do corpo

Silencioso, com olhar desolado, sentado no meio fio, um idoso observa o que sobrou do ônibus que o transportava para a pequena Caraí, no Vale do Mucuri. Incrível como essa gente sofrida apresenta no rosto uma idade muito além da que de fato tem.

Esse senhor, que pediu para não ser fotografado, pedido que decidi prontamente atender, é uma das 22 vítimas do transporte clandestino que pegou fogo na noite de terça-feira, no bairro Horto em Ipatinga.  

Ele voltava do trabalho na construção civil, quando foi acordado pelas pessoas que deixavam às pressas o ônibus clandestino em chamas.

Foto Alex Ferreira - coletivo transitava de Piracicaba/SP para Teófilo Otoni (Vale do Mucuri)


- O senhor conseguiu pegar sua bagagem?
- Não, só saí com isso e a roupa do corpo.

E mostrou uma carteira de bolso, com documentos. Naquela madrugada, ouviria a expressão "só com a roupa do corpo" mais uma dezena de vezes.

Uma falha mecânica gerou superaquecimento no sistema de eixos traseiros e o resultado foi uma carcaça que não serve nem para o ferro-velho. Um leitor decifrou o caso, que poderia ter resultado em uma tragédia de dimensões maiores:

"Saiu de Piracicaba/SP, passou por BH e chegou aqui sem ser parado em uma blitz? Tem algo errado aí. Fazia esse tipo de transporte clandestino de três a quatro vezes por semana? Tem algo muito errado. Isso só é possível se contar com a conivência de órgãos do Estado, que fiscalizam e regulam a atividade. Brasil, o país em que o ilegal faz de tudo".






Outra vítima, o cortador de cana de açúcar, Marino Pereira, 40 anos, perdeu bolsas com roupas, alimentos e R$ 1.800 que economizou no trabalho duro da lavoura. Tudo ardeu em chamas no bagageiro cuja porta travou por causa da explosão que antecedeu o fogo que consumiu o ônibus.

E lembro-me da gritaria que os ilegais fazem nas proximidades dos terminais rodoviários, especialmente no de Belo Horizonte:
- Teófilo Otoni !
- Ipatinga !
- Muriaé !
- Águas de Lindóia !
- Araxá !
- Valadares !

Quem bai embarcar?
Foto: Alex Ferreira - motorista não sabia informar número de passageiros que transportava e não se lembrava da placa do ônibus, encontrada pela Polícia Rodoviária em meio às cinzas




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