Jeitinho irritante

Essa história que o Brasil é o “país do jeitinho” vai bem mais longe do que permite nossa vã imaginação.

Somos um povo que também cultiva o “favorzinho”. Muita gente lotada em cargos nos setores público e privado, atribuídas de funções bem claras para servir as pessoas, faz de tudo para não cumprir suas atividades.

Com isso, obrigam a quem precisa de seus serviços, a buscar o empenho de conhecidos dentro das instituições, organizações e empresas e para terem suas demandas atendidas. É uma situação absurda, mas convivemos com ela no dia a dia, de tal forma tão intensa, que passamos a entender isso como normal. Não é.

Abro mão da mera observação para relatar o que ocorreu comigo e que percebo claramente ocorrer o tempo todo ao meu redor com as pessoas.

Passei duas semanas difíceis, com um familiar que precisou de atendimento médico, vítima de um acidente. Primeiro documento essencial numa situação dessas é o boletim de ocorrência. Até então pensava que era algo simples, ir à unidade policial, pedir o documento, assinar um recibo e sair. Não é.

Como não tinha o número do documento, era preciso uma busca detalhada, por nome. A funcionária que deveria pesquisar e atender ao cidadão simplesmente alegou que tinha uma entrevista agendada e não iria procurar na manhã em que ele foi lá pegar o BO.  

A ocorrência era fundamental e só saiu, à tarde, graças ao empenho de um conhecido do interessado, a quem o cidadão desesperado recorreu ao pedido de favor. 



Pior ainda no hospital. Outro documento fundamental, para dar entrada em pedido de seguro e acionar a Justiça, o prontuário de atendimento médico só seria fornecido à vítima, maior de 18 anos, de forma presencial. Como isso poderia ser feito, se a pessoa estava em uma maca?

- Não posso fazer nada, é orientação superior, avisou a funcionária com um ar de empoderamento.

Mais uma vez, o documento só saiu graças à intervenção de conhecidos do interessado. A vítima, numa maca, não conseguiria ir ao guichê buscar o documento, mesmo.

É assim, de favor em favor, de jeitinho em jeitinho, que estamos a deixar de lado nossos direitos, nossa cidadania para permanecer na situação de favorecidos por amigos, por casuísmos de favor. E muitos de nós achamos que isso é normal, quando nunca foi.

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