Estourou uma barragem em Brasília

Fui dormir na noite de quarta-feira (25/11) com a sensação que uma barragem de lama fedorenta e ácida tinha se rompido no Planalto Central, depois de assistir, por horas, a transmissão da sessão extraordinária do Senado Federal, em que foi votado se a Casa relaxaria ou não a prisão do senador Delcídio Amaral (PT-MS), líder do governo preso por ordem do Supremo Tribunal Federal, pelo crime de organização criminosa. 

Tal qual as barragens da mina Germano, operada pela Samarco/Vale/BHP, no município mineiro de Mariana, a barragem acima do Distrito Federal estava lá, havia anos, todos sabiam dela, falavam dela, mas não imaginavam o quanto estrago causaria pelo vale da falta de moralidade política.

Para analistas políticos não foi uma surpresa a tentativa do senador da República intervir no andamento da investigação do escândalo dos contratos na Petrobras. Todos desconfiavam que o processo estava lento demais e não era pelo acaso das complexidade das investigações.


Diante do flagra gravado em áudio em que Delcídio armava pagamento de propinas para que um dos investigados deixasse o seu nome de fora das denúncias sobre beneficiados no esquema de corrupção na petroleira brasileira, seguido da fuga do ex-executivo da Petrobras, Nestor Serveró, analistas afirmaram que o político "sambou na cara do STF e isso foi demais".  

Entre bravatas, autodefesas e arroubos, no plenário do Senado, há duas falas proferidas por duas mulheres que merecem destaque. À tarde, a ministra Carmem Lúcia, do STF fez uma afirmação retumbante, em sessão da Corte Suprema que referendou a ordem de prisão de Delcídio, do seu chefe de gabinete, Diogo Ferreira, de André Esteves e do ex-advogado de Nestor Cerveró, Edson Ribeiro, prisões essas, decretadas pelo ministro Teori Zavascki. 


Nessa sessão, também votaram os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Esses três foram citados por Delcídio na fatídica gravação, como sendo os membros da Corte que foram procurados ou seriam procurados para "amaciar" a situação de Cerveró, preso há um ano em Curitiba.

A ministra Carmem Lúcia foi enfática: "Na história recente da nossa pátria, houve um momento em que a maioria de nós, brasileiros, acreditou no mote segundo o qual uma esperança tinha vencido o medo. Depois, nos deparamos com a Ação Penal 470 e descobrimos que o cinismo tinha vencido aquela esperança". 


"Agora parece se constatar que o escárnio venceu o cinismo. O crime não vencerá a Justiça. Aviso aos navegantes dessas águas turvas de corrupção e das iniquidades: criminosos não passarão a navalha da desfaçatez e da confusão entre imunidade, impunidade e corrupção. Não passarão sobre os juízes e as juízas do Brasil. Não passarão sobre novas esperanças do povo brasileiro, porque a decepção não pode estancar a vontade de acertar no espaço público. Não passarão sobre a Constituição do Brasil”.

Caratinguense 

Já a senadora Rose de Freitas (PMDB), que embora seja senadora pelo estado do Espírito Santo, é natural de Caratinga/MG, no encerramento da votação também foi brilhante ao falar sobre a decisão do STF em prender o senador e mandar a Polícia Federal revirar o seu gabinete no Senado da República.

"Quero dizer, senhor presidente, que a culpa de tudo isso está nessa Casa. Nós fomos cedendo espaço, deixando de cumprir as nossas funções, deixando que o tribunal legislasse no nosso lugar e, agora, o comportamento da classe política em nada é parecido com o que vivemos lá atrás. Hoje, a todo momento, em qualquer lugar, sentado aqui, sentado alí, nos deparamos com alguém que está sendo indiciado exatamente por usar o poder a favor de si ou de uma circunstância que lhe favoreça".

“O que fazemos agora é sem a menor preocupação de como sair dessa crise, sem a menor preocupação de como ajudar o povo brasileiro, votando quando achamos que devemos votar, empurrando a pauta prioritária para quando achamos que devemos empurrar. Nós estamos errados”.

“Eu li esses diálogos que estão aqui (referindo-se à gravação do diálogo de Delcídio com representantes de Cerveró). O que está aqui é um flagrante, não sei se é afiançável, mas é um crime. E é essa Casa que recebe esses parlamentares, que recebem o sagrado voto popular, que jura essa Constituição que ajudei a escrever, são capazes de se envolver em um episódios dessa natureza. Eu não vou dizer que tenho vergonha, porque sinto que estou cumprindo o meu dever. Mas temos que rever tudo. Essa casa não tem como olhar no olho de um brasileiro, ainda que se destaque o trabalho de muitos aqui”.


E é assim, de estouro em estouro de barragens, que se esperam novos modelos de comportamento e práticas. Será que testemunharemos as mudanças?.



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