Pediu um prato que não conhecia, agora aguenta

Durante muitos anos de labuta, uma conversa inquietante vira e mexe voltava à tona. “Os meios de comunicação precisam ser democratizados”. E foi assim essa ladainha, até que um dia a internet popularizou de tal forma que a disseminação de informação não podia mais ser controlada. Está rolando agora, como gostam de dizer muitas pessoas nas mídias sociais.

Com parcos investimentos qualquer um pode montar uma página na internet, apresentar-se como jornalista e sair por aí, a publicar e a replicar conteúdo supostamente noticioso, como bem entender.  

Ocorre que “popular”, “democrático”, são verdadeiros mantras, sem medir possíveis efeitos práticos de sua aplicação sem controle. Será que as pessoas, especialmente os brasileiros, estavam preparadas para assumir tamanha responsabilidade diante de tantos recursos de comunicação?

Inexistem dados oficiais, mas a estimativa é que em torno de 60% do conteúdo em circulação no WhatsApp, Facebook, blogs, vlogs, Snapchat, Twitter, G+, Instagram, seja de fatos, coisas, eventos, sem lastro com a realidade, ou, em outras palavras, deslavadas inverdades. Há quem gaste tempo para criar fantasiosas informações e abastecer sites inteiros com desinformação.

As mídias sociais viraram um ambiente onde se dissemina de tudo, desde o ódio de classes, passando pelos revoltados com o governo, grassam os doentes da pedofilia, homofóbicos, racistas, e tantos outros desvios comportamentais da humanidade.   

O grande paradoxo disso tudo é que, muitos daqueles que defendiam a “democratização da mídia” sejam justamente os que agora são alfinetados por ela a ponto de terem em risco sua própria existência. Principalmente os políticos. Não estão suportando comer o prato que pediram.

Se, antes já era complexo lidar com os meios convencionais, movidos por interesses diversos, inclusive o financeiro, indispensáveis para a sustentabilidade dos negócios nas empresas midiáticas, agora a coisa ficou muito pior com ferramentas cirúrgicas em mãos de quem não tem habilidade para selecionar e apurar e não se preocupa com os efeitos sociais do que vai disseminar. Nem sequer têm meios para arcar com as consequências legais do dano que provocar. 


Com boatos no whatsapp, espalhados por criminosos encarcerados no presídio de Ipatinga, em agosto de 2015 a cidade praticamente parou depois que três ônibus foram incendiados por ordem dos presos. Novas ameaças deixaram a cidade às traças na noite de 28/8/2015.

O distrito de Perpétuo Socorro, em Belo Oriente, foi tomado pelo pânico em novembro de 2015. Isso porque dois grupos criminosos, um de Ipatinga e outro do distrito trocavam ameaças de morte, exibiam armas e postavam versões de rap com ameaças mútuas. 

A população local assistia aos vídeos e ameaças passivamente até que alguém espalhou o boato segundo o qual a escolinha seria metralhada. Houve correria pelo lugarejo, com pais que buscaram os filhos às pressas. A polícia negou a veracidade, mas bloqueou entradas e saídas do distrito.

Algo parecido ocorreu na cidade de Pingo D’Água, com cerca de 3 mil habitantes. A cidade parou em um dia, no mês de setembro de 2015, quando amigos de um criminoso preso ameaçaram metralhar a cidade. A onda de boatos esvaziou as ruas. 

Citei exemplos recentes e bem pontuais do que tem ocorrido, mas no cotidiano percebem-se situações reiteradas que envolvem decisões das pessoas diante do que leem em um ambiente absolutamente insalubre.

Nesse carrossel pirado também falta uma lei eficiente que puna de forma célere quem dissemina inverdades, promova calúnia ou destrua a imagem do outro. A informação no século XXI é um bem precioso. O desleixo com essa moeda traz implicações muito sérias e parece que o Estado ainda não se deu conta disso.

Na conclusão, lembro que desde abril de 2014 está em vigor no Brasil a Lei Nº 12.965, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet. Chama a atenção o Artigo 19, que poderia ser a solução para quem promove o caos ou ataques contra pessoas com o uso da internet. 

"Art. 19.  Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário".

A lei como um todo trata de responsabilizar quase que tão somente os provedores de conteúdo na internet, não os geradores. Veja que, quem for caluniado na rede só vai ter algum efeito prático da lei depois que contratar um advogado, representar na Justiça e aguardar a sentença. 

Depois, ainda haverá prazo de notificação aos provedores. Observe que, num ambiente em que dados trafegam à velocidade da fibra ótica, a lei nos aparece embalada no casco de uma tartaruga.

Comentários