“Jornalista não é notícia”

Devolvi nesta sexta-feira (25) às mãos do nosso editor sênior, João Senna, o livro Lava Jato, de autoria do jornalista Vladimir Netto. Caratinguense, filho da também jornalista Miriam Leitão, Vladimir reconstitui os primeiros anos da investigação que abalou as estruturas das maiores empreiteiras do Brasil e da política nacional.
Livro de caratinguense relata os bastidores dos primeiros anos da Operação Lava Jato
Tive um professor, moçambicano, José Miguel, que sempre repetia na sala que “a base da crítica é conhecimento”. Conhecer detalhes de como começou a operação comandada pelo juiz federal Sérgio Moro é determinante para entender algo que ocorre agora, quando se aproxima o ano eleitoral de 2018.

"Lava Jato" mostra como as autoridades avançaram rápido, começando pelos negócios de uma rede de doleiros, até a descoberta de um vasto esquema de corrupção em que políticos e empreiteiras se uniram para desviar recursos da Petrobras e de outras estatais. Lamentavelmente a Lava Jato tratou de casos recentes, embora alguns dos depoimentos mostrem que o esquema sangrava os cofres públicos há muitas décadas.

Premiado repórter da TV Globo, que participa da cobertura do caso desde o início, o caratinguense Vladimir Netto narra detalhes além dos que foram divulgados nas reportagens dos impressos sobre a Lava Jato. O jornalista faz questão de narrar na terceira pessoa e explica no posfácio sua decisão de não usar a primeira pessoa, uma vez que é testemunha ocular dos fatos narrados: “jornalista não é notícia”. Foi ótimo ler essa explicação, pois esse princípio basilar do jornalismo parece ter sido esquecido por muitos comunicadores da atualidade, quando vemos muitos tentando ser mais importante que a própria notícia que publica.  
O autor é natural de Caratinga e acompanha, em Brasília o desenrolar da Operação Lava Jato

E a voltar ao livro, a sua leitura nos leva a algumas conclusões. Primeiro, tudo o que se conhece dos escândalos de corrupção é pouco, em relação à realidade da atuação de corruptos e corruptores. As decisões, tanto do Ministério Público Federal quanto da Justiça Federal poderiam ter alcançado mais políticos do que alcançou.

O juiz Moro é apresentado como o herói da história, o que se evidencia pela capa do livro com a foto do magistrado em um ângulo que lembra uma escultura romana de mármore. O ministro Teori Zavascki, responsável pelos inquéritos no Supremo Tribunal Federal, é apresentado ao leitor como um “deus infalível”.

O livro, editado em 2015, não relata a estranha morte de Zavascki, ocorrida em uma queda de aeronave no litoral do Rio de Janeiro, em janeiro de 2017.

Por se esforçar em apresentar a Lava Jato como algo perfeito, não é de se estranhar que haja omissões na publicação, entre elas, contradições entre delatores, vazamento seletivo, decisões judiciais cuja legalidade é questionada (por exemplo, quebra de sigilo de escuta telefônica envolvendo familiares de investigados) e manipulação partidária de movimentos que foram para as ruas pedir o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Enfim, o livro traz a narrativa apenas dos anos iniciais de um trabalho que se iniciou em 2009, com a investigação de crimes de lavagem de recursos relacionados ao ex-deputado federal José Janene, em Londrina (PR), e que se estendeu para praticamente todos os estados e partidos políticos. Pode ser que as próximas edições tragam respostas às questões ainda não respondidas.

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