O brasileiro é reconhecido por sua capacidade de
sensibilizar-se com a dor alheia. Campanhas de arrecadação de alimentos, doação
de sangue, agasalhos e até dinheiro para causas humanitárias, costumeiramente,
resultam em grande volume de arrecadação em curtíssimo prazo. Às vezes é
preciso desmobilizar, pelo noticiário, a arrecadação que é feita em excesso.
Mas até que ponto vai a solidariedade do brasileiro? A resposta é curta e grossa:
até o momento em que o brasileiro sente que vai lhe faltar algo. E foi o que
houve na recente paralisação dos caminhoneiros, envolvida em um cipoal de
equívocos: históricos, políticos, estratégicos e apropriação indevida da força
do movimento com a infiltração de interesses de toda sorte.
O resultado disso foi a rápida inflexão da maioria da população,
quando passados três dias da paralisação, iniciada dia 21 de maio, as pessoas
descobriram que não havia mais gás de cozinha. Os caminhões retidos nas
rodovias com cargas de botija não reabasteceram as distribuidoras logo no
começo da semana e a falta do gás de 13 quilos foi quase que imediata.
Passados quatro dias já não havia mais combustíveis para os
veículos. Na sexta-feira já faltavam alimentos (hortaliças, legumes e frutas)
nos supermercados.
Caminhões-tanque carregados parados na entrada de Ipatinga-MG enquanto população apavorada esqueceu a pauta de reivindicações e voltou a atenção para as filas nos postos de abastecimento |
Ao completar oito dias, na segunda-feira (28), os
brasileiros já tinham abandonado o foco do pedido de mudanças no Brasil e não
se importavam com outra pauta que não fosse a de salvar-se do desabastecimento. Que chamem os brasileiros de tudo, menos de covarde. Não existe herói de barriga vazia, sem forças e sem mobilidade.
Quem poderia engrossar fileiras da manifestação passou a
investir o seu tempo nas filas do abastecimento e em busca de gás de cozinha.
Nos supermercados viram-se muitas pessoas enchendo o carrinho com produtos como
macarrão, arroz e carne. Desacostumados com crises dessa natureza, nem
sequer sabiam que alimentos para essas situações precisam ser os enlatados e de
fácil preparo, porque também pode faltar gás e energia para cozinhar os demais.
Enfim, a greve dos caminhoneiros resultou em pequeno ganho
para os autônomos, que movimentam cerca de 30% do transporte, um ganho
considerável para as grandes transportadoras e uma conta de R$ 9,5 bilhões para
ser cobrada da população a título de reposição (à Petrobras) da desoneração do óleo diesel em
R$ 0,46 o litro. Com isso, o governo de Temer deixa claro que seu compromisso é com os dividendos para os investidores. O papel social da Petrobras é uma ficção.
Pode ter sido um erro de estratégia, deixar a população
desabastecida de produtos essenciais e combustíveis? Pode sim. Faltou aos organizadores da
paralisação - marcada pela falta de liderança - a compreensão que o brasileiro convive com a corrupção, com preços
extorsivos, com filas nos hospitais e postos de saúde, mas não quer abrir mão
de seu veículo para se locomover nem chegar em casa e ver a família amuada
sobre o sofá, sem gás para cozinhar.
Mas não se pode desconsiderar outros fatores que derrotaram
o movimento. Não vou nem entrar no mérito da acusação de locaute (greve estimulada por empresas de transporte) porque isso é afirmação do governo e ainda está em investigação pela Polícia Federal.
Já no primeiro acordo proposto pelo governo para tentar acabar com a greve ficou evidenciado que a discussão com pseudos representantes da categoria envolvia apenas a redução no preço do diesel. Gasolina e etanol ficaram fora da mesa de negociação. Aí apareceram os primeiros insatisfeitos, de fato, com o andamento da coisa toda.
Já no primeiro acordo proposto pelo governo para tentar acabar com a greve ficou evidenciado que a discussão com pseudos representantes da categoria envolvia apenas a redução no preço do diesel. Gasolina e etanol ficaram fora da mesa de negociação. Aí apareceram os primeiros insatisfeitos, de fato, com o andamento da coisa toda.
Vimos que o movimento que defende a “intervenção militar”,
um descabido eufemismo para "golpe de estado", ou "golpe militar", apropriou-se
rapidamente da luta dos caminhoneiros. Usaram as redes sociais para disseminar
que as Forças Armadas não agiriam se cada motorista pregasse no para-brisas ou
carroceria de seu veículo a frase “intervenção
militar já”. Essa proposta é seguida por
um grupo que há alguns anos propaga a questionável ideia que os militares são a
solução para as mazelas políticas brasileiras, sem levar em conta os inúmeros episódios
de improbidade da época do regime militar brasileiro, claro, nunca apurados e
mal divulgados, por razões óbvias.
Mas a despeito da complexidade da proposta, a ideia fez com
que milhares de motoristas assim agisse, desconhecendo que a Constituição
Federal não prevê esse estatuto. Ou é democracia ou é golpe. Não há meio termo.
E vem a contradição: Em um golpe de estado, as liberdades individuais são
suspensas por um decreto de Estado de Sítio e paralisações como as que eles
faziam seriam coibidas, na base da bala de fuzil.
Por fim, entre outros tantos motivos, a onda de boatos e
disseminação de dados absurdamente incorretos, divulgada com a velocidade de um
furacão, levaram os mais críticos a entender que o movimento era uma bagunça
total. A cada 10 minutos o Brasil ganhava, nas redes sociais, um “novo
general”, com um alerta, uma ameaça ou uma ordem. Na balbúrdia, ressuscitavam vídeos
antigos para disseminar o ódio e a discórdia.
No fim da paralisação,
jornalistas que cobriam o movimento eram escorraçados do “front”,
independentemente se sua matéria era objetiva, sem tendências, ou não. Como
poderia ser vitorioso um movimento marcado pela desinformação? Como poderiam os
organizadores, esperar a adesão de um povo desabastecido de tudo, do básico ao
supérfluo? Que essas indagações fiquem como aprendizado aos que quiserem
futuramente mobilizar a população em prol de alguma causa.
Legal, mas acho que eles erraram ao não defender uma invasão alienígena!
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