A distopia no lugar da utopia

Leio no jornal Estado de Minas desse domingo que “Onda conservadora estimula a venda de romances sobre sociedades opressivas”. A notícia informa que a literatura distópica passa por novo momento.

Depois de ganhar a preferência dos leitores na segunda metade do século XX, surpreendentemente, os livros que vêm figurando entre os mais vendidos no Brasil são obras clássicas, com até oito décadas de publicação: Admirável mundo novo, de Aldous Huxley (1932), A revolução dos bichos (1945) e 1984 (1949), de George Orwell, Fahrenheit 451 (1953), de Ray Bradbury, e O conto da aia, de Margaret Atwood (1985).
Na obra de Huxley, o objetivo maior é manter a ordem, mesmo que para isso todos passem por uma grande lavagem cerebral, eliminando qualquer senso de individualidade ou de consciência crítica da realidade, 
E digo mais. As pessoas precisam inserir nessa lista de preferência também Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick.

Acredito que em 2008, há exatos 10 anos se eu dissesse que propostas totalitárias ganharam a preferência das pessoas na hora da escolha, ainda que a partir de opinião formada a partir da manipulação das fake news, certamente iriam me internar num hospício. O nível de alienação (leia-se ignorância política) chegou a tal ponto que se permitiu um cenário distópico inacreditável.

Lembro-me bem que li Admirável mundo novo, preocupado se uma sociedade de castas nobres seria possível na Terra. Não cheguei a ficar surpreso ao entender que isso já era real, lá na minha tenra adolescência. O próprio autor, Aldous Huxley, tratou disso no Regresso ao Admirável Mundo Novo, outro livro no qual demonstrou que suas "profecias" concretizavam-se ao em função do progresso, e possibilidade de manipulação da vontade de seres humanos. Qualquer semelhança com a manipulação desenfreada que vimos agora, não será mera coincidência.

Quem aqui já assistiu A revolução dos bichos (1945)? “Já não sabiam se eram porcos ou se eram homens”, diz o narrador. E 1984, produção de 1949, que narra um estado de controle absoluto do Grande Irmão, o Big Brother? Essas duas obras são de George Orwell. Mas o ápice mesmo é Fahrenheit 451 (1953), de Ray Bradbury. 451 é a temperatura em que o papel queima. Era proibido ter livros, era proibido ter conhecimento e pensar. Eram permitidas apenas revistas em quadrinhos, sem legenda. Quase um Facebook ou WhatsApp de hoje em dia.

E, em que pese o avanço da direita no mundo todo, nos Estados Unidos ganha força a máxima “Make Orwell fiction again” (Faça Orwell ser ficção novamente) – adaptação do slogan de Donald Trump “Make America great again” (Faça a América grande novamente) – popularizou-se de tal forma que pode ser encontrada em camisetas, bonés, canecas e bolsas.

Será qual dessas leituras será disparada no Brasil, caso seja aplicada a política liberal proposta pelo “Mito”? Ler ficção pode ser a melhor forma de compreender o momento atual no Brasil. A não ficção não encontra paralelos com esse estado de loucura no qual mergulhamos.

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