Escravidão

Acabo de ler Escravidão, de Laurentino Gomes, anunciado como o primeiro livro de uma trilogia cujas próximas edições espero com grande expectativa.

Escravidão é de embrulhar o estômago e o antídoto é dado pelo autor em mais de uma ocasião ao alertar para o anacronismo, que se trata do “erro de cronologia e consiste em atribuir a uma época ou a um personagem ideias e sentimentos que são de outra época, ou em representar, nas obras de arte, costumes e objetos de uma época a que não pertencem”. Então, vamos com calma nos julgamentos, a partir da leitura e do que for descoberto nesse livro.

Esse artigo não pretende dar spoiler (terminho inglês da moda), para revelar detalhes da história do livro. Pelo contrário, quero aguçar a curiosidade dos leitores pela busca do conhecimento sobre o que foi, de fato, a escravidão. São  473 páginas que resultaram de um trabalho de pesquisa em documentos ao redor do mundo e entrevistas. Há milhares de relatos originais, anotações, crônicas e relatórios oficiais preservados até hoje nas bibliotecas.

Antes de ler esse livro recomendo que se lembre de um fato: no século XVI, com raríssimas exceções, as pessoas em toda a parte do mundo, até mesmo na África, aceitavam a escravatura. Naquele período eram escravizados povos cujas nações eram derrotadas em guerras ou invasões por outros povos. O conceito do escravo preto só passou a vigir a partir da operação sistemática da escravização dos africanos.

Os registros indicam que, muitos dos cativos que se revoltavam e fugiam, e que conseguiam, assim, atingir a liberdade, escravizavam outras pessoas, ou seja, tornavam-se, por sua vez, senhores ou traficantes de escravos.

Em “Escravidão” Laurentino Gomes procura demonstrar que o processo de escravização foi trágico, mas também grandioso.

A mão de obra escrava, em escala global, foi protagonista na agricultura em larga escala na América. “Sem Angola, o Brasil não seria viável”, chegou a vaticinar o padre jesuíta Antônio Vieira. Angola e Moçambique foram duas das principais origens dos negros traficados para o Brasil.

Não se assuste se, no livro, você descobrir que a Igreja Católica foi amplamente beneficiada com o comércio de escravos e padres jesuítas não só tinham escravos como também vários deles participaram do comércio de gente. Não se assuste se, entre os beneficiários do escravagismo encontrar nomes até de iluministas. Os quilombos, que eram os refúgios dos escravos que escapavam das fazendas, também tinham escravos, tomados de propriedades invadidas.


Enfim o livro nos faz entender o que foi, como se deu e detalhes sociológicos e econômicos que envolveram a escravidão, um fato aceitável em todo o planeta até o século XIX, e que atingiu uma escala global e comercial apenas a partir do século XVI, como forma de colonização do novo continente descoberto. 


A América era parcialmente ocupada por nativos, sobre o os quais pesou enorme dificuldade de escravização. Não havia contingente de índios para serem escravizados o suficiente para a produção agrícola ou extrativista em escala. Além disso, havia enorme dificuldade em escravizar os nativos.

Sem cativos, não havia quem plantasse, colhesse e processasse alimentos e a alternativa para atender à demanda foi o tráfico internacional de pessoas. A fonte foi a Mãe África. 


No livro fica claro que tanto portugueses, quanto ingleses e holandeses, os principais povos que participavam do comércio macabro de pessoas, sabiam claramente da barbárie do tráfico de gente como mão de obra cativa.

Por fim, há um claro entendimento que uma dívida secular foi se formando com a remoção sistemática de pessoas de suas origens até culminar com a abolição, em 1888 (o Brasil foi o último país a acabar com a escravidão), quanto todo o contingente de traficados foi jogado à própria sorte, sem eira nem beira. Um erro após outro e nunca corrigido.

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