Nada espontâneo, tudo muito bem mobilizado via big data

Um artigo publicado na edição de sábado (22/8) do jornal O Tempo, assinado pelo economista, ex-secretário de saúde de Minas Gerais e deputado federal, Marcus Pestana, chama a atenção para algo que tenho relatado aqui no blog: A manipulação de dados para gerar comoção social. Quando falamos de “big data” estamos deixando de lado a brincadeira nos computadores e celulares. Estamos nos referindo a coisa profissional, que envolve milhões de dólares em investimentos para atingir consumidores e, em especial, eleitores.

Quando as pessoas vêm me dizer que um determinado político teve uma “campanha feita por voluntários”, “de graça”, “sem nenhum centavo”, “ganhou a eleição com um celular na mão”, recomendo que deixe de ser idiota e assista ao documentário “Privacidade Hackeada”, ou “The Great Hack”, no título original.

É importante entender como é operada essa manipulação que visa estimular 10% do público alvo que já manifesta simpatia com determinada ideia, pauta ou reivindicação. Com a “injeção” de notícias falsas (fake news), afirmações deterministas e outros velhos recursos da comunicação, essas pessoas multiplicam a ação disparada por algum gabinete, comitê ou escritório. A disseminação pode ser pelo twitter, facebook, mas principalmente pelo whatsapp, nos grupos da família, do trabalho, do bairro, do boteco, etc.

Tenho certeza que a essa altura desse texto você aí já identificou algum “tiozão” ou “tia” que espalha mensagens odiosas com termos como “compartilhe sem dó”, “senta o dedo sem dó”, “a cobra vai fumar”, etc. 

Na prática, nada é espontâneo. Tudo é minuciosamente pensado e visa estimular quem já tem tendência a aderir a determinadas pautas. E grandes investimentos são feitos para isso, com a  compra de pacotes de dados, fraudes em acesso a dados sigilosos de usuários de mídias sociais e impulsionamento de mensagens com o uso de boots.    

No artigo “Irresponsabilidade e fake news também têm limites”, o mineiro Marcus Pestana traça algumas linhas com grande lucidez e aprofunda esse tema. Trago abaixo um excerto do artigo. Vale a pena uma reflexão:

"No dia 7 de agosto, fiz entrevista no perfil do Instagram @amatutina, sobre “Os Engenheiros do Caos”, do suíço-italiano Giuliano da Empoli. Há uma vasta literatura recente sobre a crise da democracia. Mas o livro de Empoli desnuda como as plataformas digitais foram manipuladas ilegitimamente no nascimento do movimento italiano 5 Estrelas, no plebiscito do Brexit, na campanha de Trump e como isso chegou ao Brasil pelas mãos do estrategista-chefe da Casa Branca no início da administração de Donald Trump, Steve Bannon (preso semana passada por fraude e liberado depois de pagar 5 milhões de dólares para sair da cadeia). 

A crise da democracia tem como pano de fundo as mudanças da economia capitalista que resultaram numa sociedade mais complexa e fragmentada, os sucessivos escândalos de corrupção mundo afora que desmoralizaram as elites dirigentes tradicionais e o surgimento de novos movimentos fora da órbita do sistema, como o ambientalista, o feminista, o LGBT, o antirracista, o evangélico etc. E o advento das redes sociais que jogaram lenha nessa fogueira, permitindo a individualização da participação política e social.

Os “engenheiros do caos” patrocinaram, em escala global, o “populismo autoritário”. A revolução digital não carrega, em si, valores éticos e morais. A qualidade do uso das ferramentas digitais está nas mãos de quem as usa.

Giuliano da Empoli mostra em seu livro que os “engenheiros do caos” não se preocupam com a verdade ou a mentira, o real ou o irreal, a coerência. Querem apenas e a qualquer custo instrumentalizar as redes, prender audiência, mobilizar seguidores e criar uma corrente de opinião a favor de determinadas ideias e candidatos. Empoli cita um senador norte-americano que disse certa vez: “Cada um tem o direito às suas próprias opiniões, mas não aos seus próprios fatos”. Os “engenheiros do caos” criam seus próprios fatos. 

Como as forças democráticas e progressistas podem enfrentar esse monstro sem precisarem se igualar em práticas condenáveis e ilegítimas? Primeiro, como sugeriu um dos nossos maiores youtubers, Felipe Neto, educação digital. Em segundo lugar, construir a rede dos algoritimos e atores do bem e da verdade. Sem fake news, sem agressividade e promoção do ódio, privilegiando o debate democrático e a promoção de consensos. 

E usar uma linguagem mais leve, transgressiva, bem-humorada, como sugeriram o próprio Empoli no debate com Fernando Gabeira no Sempre um Papo de Afonso Borges, com base em experiência de Taiwan na pandemia e dos jovens que esvaziaram o comício de Trump por meio do aplicativo TikTok, e o humorista Marcelo Adnet no “Roda Viva”. Por último, uma boa lei de controle social sobre as redes, sem prejudicar a liberdade de opinião e a privacidade das pessoas".

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