A Patagônia Chilena é um lugar distante e amplo. É um daqueles lugares que parecem uma pintura. Tem um cenário que parece mais um quadro pintado por um talentoso artista. Divino. Chegar à vastidão patagônica não é fácil. No fim, você conhece apenas um pedaço e volta pensando em agendar uma próxima viagem. Para se ter uma ideia da distância, um voo entre o Aeroporto de Guarulhos (SP) até a capital chilena, Santiago, demora em torno de 4h30. Um voo de Santiago até Punta Arenas, a principal cidade patagônica na região do Estreito de Magalhães, demora 3h30. E foi assim, de aeroporto em aeroporto e com a certeza que viver é melhor que sonhar, saí do interior de Minas Gerais numa manhã de 1º de outubro de 2023 e, às 12h do dia 2 chegava à Punta Arenas, com o propósito de conhecer a região, mais especificamente, ir ao Parque Nacional das Torres del Paine, um dos atrativos da região.
Do aeroporto de Punta Arenas até a cidade de Puerto Natales, usada como referência para a entrada no parque o percurso é feito de ônibus. É dessa cidade que partem ônibus, carros alugados ou vans para os diversos atrativos do parque. O meu era o Circuito W, uma caminhada de aproximadamente 80 quilômetros, de 6 dias, em meio às montanhas nevadas, lagos de cor azul turquesa, abrigos e acampamentos num lugar que se revelou muito mais mágico do que faziam-me imaginar as fotos e os vídeos que já tinha visto.
Quando visitar
Para quem for embarcar nessa viagem saiba de algumas coisas importantes. A melhor época para visitar a região e fazer o Circuito W ou o Circuito O no Parque Nacional de Torres del Paine vai da primavera (outubro), passa o verão e vai até abril, quando começa o inverno naquela região. No restante do ano, o frio intenso limita as atividades ao ar livre, mas não as impede.
Eu fiz o circuito W inverso, sentido horário. O W é o trekking mais popular do parque e tem cerca de 80 km de extensão, passíveis de serem cobertos em cinco ou seis dias. Não compensa apressar para fazer com menos dias, porque no percurso é impossível não parar para contemplar a beleza do lugar, fazer fotos e vídeos. Há caminhantes que fazem com quatro dias.
Há voos saindo de Santiago para Puerto Natales, bons para
quem quer acelerar a viagem. Se esse não for o seu caso, voe para Punta Arenas,
com mais opções de horários e datas. Separe alguns dias para conhecer a linda
cidade magalhânica. Vale a pena. Farei em breve outro texto somente sobre o lugar. A propósito, não compre equipamentos de
aventura no Brasil. Reserve seu dinheiro para comprar na Zona Franca de Punta
Arenas, o que for precisar para sua aventura. Os preços são atrativos, desde
mochilas até o fogareiro para fazer comida na trilha.
Quem não for parar na cidade e quiser ir direto do aeroporto de Punta Arenas para Puerto Natales, localizada a cerca de 250 quilômetros, é importante reservar pela internet a passagem com uma das duas empresas que fazem a linha Punta Arenas/Puerto Natales: Buses Fernández ou Busur. Assim que desembarcar do voo, caso não tenha o ticket para embarque nos ônibus que saem da cidade e param em frente ao aeroporto no caminho para Natales, você vai ter que ir ao Centro de Punta Arenas de Táxi e o preço é CLP 13.000 (R$ 72 na cotação de outubro de 2023). A passagem para Natales custa CLP 10.000 (R$ 56). Compre a passagem pelo celular assim que for confirmado o horário do voo saindo de Santiago. Cuidado, porque o voo pode atrasar e isso vai interferir no horário do seu ônibus quando desembarcar em Punta Arenas.
Aclimatação depois da viagem
Puerto Natales é uma cidade relativamente pequena, mas com
atrativos gigantes. Bons restaurantes, bons bares, e um visual arrasador à
beira de um fiorde completam o cenário. Os natalenses vivem do turismo, da
pesca, da navegação e do comércio. Em geral, são bem agradáveis, prestativos e
gostam muito de perguntar sobre o Brasil. Estude espanhol antes de ir, converse,
conte histórias, peça dicas sobre o idioma. A maioria das pessoas gosta de
ensinar. Um especial agradecimento a Roberto e Jesus, proprietários das duas hospedagens (Airbnb) onde fiquei em Natales e ainda a Felipe, turista santiaguino que encontrei por lá. Socialize-se, ambiente-se bem. Vai precisar de tudo isso. Que fique
claro: espanhol é outra língua e o Chile tem particularidades na fala e na escrita.
Puerto Natales tem uma temperatura média de 12 graus em pleno verão. Na maior parte do tempo, na primavera, o vento é cortante o tempo todo. Entre 2/10 e 20/10, nos dias em que estive na cidade era impossível sair às ruas sem uma blusa de fleece e um bom corta-vento. Nesses dias peguei, de – 1Cº ao máximo 9 Cº.
Reservas e planejamento afinados
Fazer a expedição de Torres del Paine é colocar à prova seu poder de organização, planejamento pessoal e cumprimento de prazos. Se tem capacidade de planejamento, você consegue isso sem que se torne um sacrifício. A ida de Natales até a “joia da coroa” depende de outra viagem que custava CLP 10.000. Depois de planejar o roteiro e saber onde e quando vai hospedar-se é necessário pegar um ônibus ou transfer que faz a viagem de 150 quilômetros de Natales até uma das entradas do parque.
Para o circuito W é possível fazer com entrada pela portaria de Laguna Amarga ou Portaria Pudeto. Vai depender se você vai começar no sentido horário ou anti-horário. Já o circuito O é obrigatório começar pela portaria Laguna Amarga, porque a trilha tem sentido único anti-horário. Quando comprar a passagem no terminal rodoviário, a primeira pergunta que vai ouvir é: ¿En qué entrada te bajarás?”. Você precisa saber isso antecipadamente. Pode comprar ida e volta de uma vez, caso tenha certeza do dia e horário da volta. Ou pode pagar a volta na hora de embarcar.
Quem desce na portaria de Laguna Amarga tem que pagar mais
CLP 4.000 em um transfer da empresa Las Torres, porque o ônibus não vai até o
Centro de Benvenida, de onde partem as caminhadas para a base das Torres del
Paine. Já, quem desce em Pudeto precisa embarcar em uma viagem de Catamarã pelo
belíssimo lago Pehoe. A travessia dura em torno de 40 minutos, a depender das
condições climáticas.
Há três possibilidades de hospedagem: refúgio, barracas e equipamentos alugados junto às operadoras de turismo no parque (Vértice Patagônia e Las Torres) ou ainda levar seu próprio equipamento (barraca, saco de dormir e o restante). Tudo pode ser agendado e pago pelos sites das empresas. É necessário ficar atento, porque na alta temporada podem faltar vagas. Em outubro, começo da temporada, ainda muito frio e com bastante neve, as vagas já estavam no limite. Então, se vai em novembro, por exemplo, agende no começo de outubro ou até antes. Os preços não são dos menores e, se houver algum atraso ou cancelamento da viagem, você poderá perder todo o valor investido. Então, chegue com dois dias de antecedência, no mínimo, a Puerto Natales, para reduzir riscos.
Sem pressa, contemplação
I Dia – Agendei tudo com o planejamento do sentido horário do W. Então, dia 7/10 entrei pela portaria de Pudeto, segui no Catamarã (CLP 25.000) até o camping Paine Grande e fiz uma caminhada de 11,5 km até o camping do Glaciar Grey. Havia fortes ventos e descobri que acima de 35 km/h uma pessoa pode ser lançada ao solo. Por isso é importante usar um bastão de caminhada. Era possível ficar pouco tempo no mirador do glaciar, por causa do vento e o frio intenso trazido pelas rajadas vindas diretas do glaciar. Depois de uma noite no camping gelado, em meio a uma floresta de lenga, vegetação típica da Patagônia, voltei para o camping Paine Grande.
II Dia - Cheguei debaixo de chuva. Não fosse a capa da mochila teria encharcado tudo. A chuva lá não cai de cima, mas vem pela horizontal, com as rajadas de vento. Esperei no refeitório/cozinha do camping quatro longas horas e a chuva não parou. Um turista peruano emprestou-me um plástico para que eu pudesse armar a barraca debaixo de chuva, sem molhar o interior. Nesse lugar há plataformas de madeira para instalar as barracas. O cansaço me fez dormir cedo. Apaguei mesmo. No dia seguinte, ao acordar, no lugar da chuva, deparei-me com o camping tomado por neve. Eu já tinha lido que num único dia você pode experimentar as variações de todas as estações do ano e isso não era mito. Vivi isso.
III Dia - Tomei o café da manhã e, sob sol, segui para a próxima jornada, rumo ao camping Francês (localizado a 10 quilômetros). Depois de meia hora de caminhada, tirando fotos do verde esmeralda do lago Pehoe, começou uma nevasca. Avançar contra o vento e com flocos de neve caindo sobre a roupa impermeável foi uma experiência e tanto. Só sabia que, parar, não dava. Do medo inicial, andar sob a nevasca virou uma diversão. Nesse terceiro dia, fiz apenas a metade da segunda perna do W, visto que o acesso estava liberado somente até o mirador Francês. O segundo mirador, Britânico (sequência da perna), estava fechado por causa do excesso de neve. Para ir ao mirador Francês, você pode deixar a mochila em um posto de Guardaparques, na entrada do mirador. Há nesse local o camping Italiano, administrado pela Corporación Nacional Forestal (Conaf), mas estava fechado. Segui então para o camping Francês, onde tinha feito a reserva. Armei a barraca sob a neve que caía vagarosamente por entre as árvores. Há banheiros com chuveiros quentes e um minimercado para eventual reabastecimento. Mais uma noite bem dormida e a esse tempo já estava mais treinado para armar e desarmar a barraca mais rapidamente. O segredo é tirar da mochila somente o que vai precisar. Os alimentos precisam ficar num lugar de fácil acesso e todos juntos.
IV Dia - O quarto dia de caminhada foi à borda do cinematográfico lago Nordenskjold, numa trilha que fica na base das montanhas Los Cuernos del Paine e Paine Grande. Eu não vou descrever isso, pois me faltam palavras. Prefiro que vejam as fotos abaixo. Desde o começo da viagem sempre me encontrava com o casal Sara e Valfrido, ambos de Brasília. Em vários momentos fizemos uma parceria brasileira na trilha. Não andamos o tempo todo juntos, pois eu estava num momento de “férias sabáticas”, um momento meu e evitava também interferir na privacidade do casal. Havia momentos em que eles estavam à frente e às vezes era eu que estava. No fundo, todos sabíamos que poderíamos contar um com o outro, em caso de eventuais perrengues. E não houve um perrengue sequer. O percurso de 13 quilômetros desse dia é para colocar a resistência física e psicológica à prova. E deu tudo certo. Em determinado momento a trilha tem uma bifurcação. Eles foram para o Camping Central e eu rumei para o alto da montanha, sentido ao Camping Chileno.
VI - O camping Central fica nas imediações do Centro de Benvenida, ponto de partida para quem vai fazer os circuitos W (sentido normal da direita para a esquerda) ou 0, que tem sentido único (anti-horário). Nas proximidades também há o Refúgio Las Torres, que além de fornecer hospedagem tem um excelente restaurante, aberto ao público. E ainda por perto há o lendário Hotel Las Torres (cinco estrelas), hospedagem destinada a atender turistas que pertencem ao topo da pirâmide social, do Chile e do mundo.
Dica importante, alternativa para visitar o parque
Além dos dois circuitos, que demandam todo o planejamento
logístico relatado acima, há outras possibilidades de turismo no Parque
Nacional Torres del Paine. É possível passear de carro pela borda do parque. Há
inúmeros mirantes, com paisagens de cinema. O tour é contratado em Puerto Natales.
A maioria das rotas demanda o dia todo. Você pode, inclusive, alugar um carro,
pegar um bom mapa e fazer por conta.
É possível também ir somente da portaria Central até a base das torres e voltar no mesmo dia. Nesse caso, os horários são bem apertados, mas muitas pessoas fazem isso. Também é possível fazer somente a ida ao glaciar Grey, num dia, ficar hospedado no alto da montanha e voltar no outro dia. Ou subir ao glaciar, descer, hospedar-se no refúgio Paine Grande e retornar no outro dia, na primeira viagem de volta do Catamarã.
Do Chile para a Argentina num piscar d’olhos
Quem estiver em Puerto Natales, poderá visitar a vizinha
cidade argentina de Rio Turbio. Fica a 45 minutos de viagem de ônibus. A demora
maior é no posto de fronteira. É preciso dar saída no passaporte e, para
voltar, dar reentrada no Chile. Em 2023 era possível entrar e sair do Chile com
a carteira de identidade brasileira. Eu não recomendo. Documento de viagem
internacional é um passaporte. É notável a reprovação das autoridades de
imigração quando uma pessoa apresenta uma identidade apenas. Não é possível ir
de um pais a outro levando frutas, legumes e produtos de origem animal.
Entretanto, na volta é impossível não trazer umas duas garrafas de vinho Malbec
e umas duas caixas de alfajor, produtos argentinos de grande excelência.
Caso vá a Rio Turbio no inverno, poderá aproveitar um centro de esqui, na entrada da cidade. Se for viajar com crianças, vá ao Vale dos Gnomos, localizado também na entrada da cidade. Rio Turbio é uma cidade que vive da exploração de minas de carvão mineral, localizadas a aproximadamente dois quilômetros. Tudo na cidade remete ao negócio do carvão.
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